Júlio canta a esperança

    Eu, que me dediquei a centenas de leituras sobre lugares que parecem existir somente em nosso imaginário, de repete me vi na entrada de um castelo, nos Alpes Julianos, cheia de expectativas. Era uma missão que não precisava aceitar se não fosse imposta pela minha própria curiosidade. Vontade de ter respostas a indagações que sobraram de lindo episódio de amor que me foi revelado. Digamos... Um episódio revelado por inspiração do universo.
    Levei meses para merecer a buscada concordância de visitar o castelo. Melhor dizendo: visitar o habitante do castelo. Foram meses de verdadeiro suplício. Expectativas. De forma nenhuma pairava em minha mente algum tipo de certeza sobre aquela visita. Ao entrar na porta principal do castelo, porém, fui tomada repentinamente por plena confiança.
    O quadro todo que se descortinava à minha frente era de uma sofisticação impressionante. Mas, ao mesmo tempo, inspirava a simplicidade essencial para a segurança necessária àquele contato. Ao chegar à primeira sala não me foi possível furtar a contemplação de tanta beleza. Móveis, esculturas, quadros, fotografias, instrumentos... O clássico estava ali presente. 
    O castelo, no entanto, estava longe de ser um abrigo só de coisas materiais. Obras clássicas. Raras. Riquezas. Bem próximo à lareira, acomodado em uma poltrona forrada de cetim bordô, enxerguei de imediato um homem dedilhando com habilidade impressionante um violão. Junto com a melodia partida do instrumento se ouvia uma voz cantarolando algo que, mesmo sem a plena identificação, dava certeza de ser extremamente romântico.
    "Todos dicen que es mentira que te quiero/porque nunca me habían visto enamorado./Yo te juro que yo mismo no comprendo/el porqué me fascina tu mirada." Tive vontade de ficar ali por horas assistindo ao mágico espetáculo. Foi, entretanto, o protagonista daquilo tudo que me retirou desta intenção. Júlio José, o dono do celestial castelo, que parecia neutralizado por um mundo que eu desconhecia - sempre imaginamos que os artistas têm algo de muito misterioso - veio cheio de sorriso ao meu encontro.
    "Buenos días. Es un placer tenerte aquí." Confesso que obriguei-me, já nesse primeiro momento, a multiplicar por milhões de vezes a simpatia que haviam me afirmado ter esse que ostentava a fama de indecifrável artista. Era a mais pura simpatia. O meigo sorriso fazia eu esquecer que estava diante de um ser de 84 anos vividos. Parecia um menino quando recebe um brinquedinho de presente. 
    Júlio José, modéstia à parte, teve prazer enorme de receber-me. Perdão!!! Não posso deixar de me exibir um pouco. Afinal: estar a um metro de distância de tão fabuloso artista já é um privilégio para uma minúscula parcela de humanos. Imagine eu, ali, recebida com largo sorriso. E você não tem ideia do que significa estar diante desse sorriso. É como se Deus abrisse as portas do céu e dissesse: Pode entrar. Aqui você só irá se deparar com coisas boas.
    Bom anfitrião
    Júlio José não se mostrou nem um pouco chateado com a minha visita. Só pediu que lhe desse o direito de ficar em silêncio quando algumas das minhas perguntas, na sua opinião, não pudessem ter respostas. Fomos, dessa forma bem combinada, em frente com o nosso diálogo.
    Eu: Sou admiradora de 100% das suas obras musicais. Por que essa decisão de viver em total isolamento quando poderia se manter em evidência no mundo todo? 
    Ele: Você sabe que eu sou impulsionado a lhe pedir que vá embora? Você tem ideia de quão dolorosa poderá ser, para mim, a resposta a essa pergunta? Mesmo assim, ciente do esforço que você faz para contar as verdades da minha existência, eu cedo. Me rendo. Faça a pergunta que quiser. Chegou na hora certa. Hoje eu vou me revelar. 
    Eu: Mas você não respondeu a minha pergunta. Por que o isolamento?
    Ele: Querida. Esse isolamento se chama reverência. Você me diria: Por que se chama reverência? Eu respondo: Reverência se tem por quem merece. Por quem conquista. Por quem não pede e nem exige mas a recebe espontaneamente. Sarah!!! Esse é o nome do amor. Esse é o nome de tudo que tem sentido para a minha vida. Então ele dá sentido até ao ostracismo a que me lancei. Ao ostracismo que vivo desde que esse motivo de existência deixou de ser considerado.
    Eu: Sarah... Ser tão marcante... Rogo-lhe por um pouco mais de explicação.
    Ele: O mundo - de forma especial os fãs que cultivei ao longo do tempo - jamais compreenderá esta minha atitude. Todo mundo acha que um amor se substitui com outro. Sarah! Eu lhe pergunto, minha amiga, como colocar alguém no espaço de Sarah? Como vagar conformadamente, por caminhos indefinidos, depois de se habituar ao conforto do céu? Perdoe-me. Eu... Meu violão é testemunha... Passo meus dias e minhas noites buscando uma outra razão de existir. Existência? Concluo: Só com Sarah ao meu lado. O seu calor, os seus abraços, os seus beijos, o seu sorriso... É, minha amiga, sem Sarah não há existência. Eu vivo... Há de concordar você, amiga, que eu estou vivo. Contudo: eu lhe pergunto se existo. Existo? 
    Eu: Tenho considerável vivência. Mas nunca me deparei com um sentimento assim tão intenso. Isso seria uma das suas exclusividades? 
    Ele: Querida... A gente, lamentavelmente, é uma soma de aprendizagem. Uma soma de experiências boas ou nem tanto. No meu caso: Sarah é um diamante da mais alta qualidade que, por falta de avaliação mais profunda, deixei escapar das minhas mãos. Depois daquele show em Vila de Rei. Sim... Aquele show que você sabe... Eu jamais poderia ter me afastado de Vila de Rei. A vida na cidade pequena, ao lado de Sarah, hoje sei, daria motivo a minha existência. Todo motivo. Hoje sei. E como sei. Sem amar desse jeito a vida não se justifica. 
    Eu: Quando você chegou a essa conclusão? Sessenta anos depois daquele show você ainda tem esse tipo de lamento?
    Ele: Sei o que quer dizer. Compreendo o seu raciocínio. Com um pouquinho de insistência talvez eu tivesse condições de convencer aquela bela jovem a não se submeter à imposição das circunstâncias do momento que vivia. Me culpo eternamente por não ter feito essa tentativa. Aí reside a razão dos meus remorsos. Joguei a vida fora porque, no momento em que a encontrei de verdade, julguei que algo melhor existisse pela frente. Assim Sarah escapou das minhas mãos. Assim as nossas vidas tomaram outros rumos. Tivemos, você sabe, dez anos de amor e intimidade. No entanto, desperdiçamos outros vinte que nos haviam sido destinados. Na soma seriam trinta anos de Júlio José e Sarah. Só tivemos dez. Por isso, eu e o meu violão, vivemos na inconformidade. 
    Eu: E agora?
    Ele: Vivo um dia após o outro embalado por letras e melodias que povoaram a minha vida artística. Riquezas e mensagens que talvez um dia até caiam no total esquecimento. Só que Sarah, para mim, é o sempre. E sei que, se dependesse dela, eu seria o seu sempre. Sou um errado. É!!! Sou um errado. Não há mais conserto. O que me consola é o silêncio deste castelo que me permite lembrar de Sarah nitidamente e rememorar, cada instante, toda poesia que fiz em sua homenagem. 
    Carta de Sarah
    Eu: Muito obrigada! Sinto-me gratificada pela sua atenção. A história da minha vida colocará esta entrevista em um altar de reverência. Jamais imaginei conversar com um ser de tão elevada grandeza. Conversei. Está conversado. Me cabe lhe manifestar extrema gratidão pela gentileza, pela ocupação de tempo e, talvez, inclusive por se submeter a possíveis inconveniências. 
    Ele: Você me conquistou. Só você consegue de mim uma revelação. Nunca imaginei revelar ao mundo este meu segredo. Você, menina, me convenceu... Os céus determinaram que este é o momento de mostrar uma carta - a única carta - que Sarah me escreveu depois do show em Vila de Rei (mesmo às vésperas do casamento com Miguel)...
    A CARTA
    "Caro Júlio José... Eu gostaria de tratá-lo de meu amado Júlio José. Mas não seria justo diante das circunstâncias que eu e você ora vivemos. Nas capas dos discos e nos cartazes que propagam shows eu costumo observá-lo por longo tempo. Sua imagem, não posso explicar, me transmite algo irresistível... Tenho a impressão de que nascemos um para o outro... Que, mesmo perante qualquer exigência deste nosso mundo, deveríamos andar de mãos dadas... Deveríamos exibir esse amor que, ao invés de nos proporcionar alegria, insistentemente nos sufoca. Sufocar um amor tão grande não pode ser correto. Eu aprendi que, na vida, os bons sentimentos devem ser alimentados com o melhor do nosso coração todos os dias. Todos os minutos de nossas vidas.
    Você precisa saber que todo olhar a mim dedicado, ao longo do show e, também, as amáveis palavras dos diálogos que se seguiram em dias posteriores, são algemas que me prendem à sua bela e inesquecível imagem. Somos, talvez, propensos à condição de vítimas de situações que não ousamos enfrentar. Eu o amo. Você me ama. Acredito. Mesmo com a idolatria de todo planeta você me contempla com um amor que obrigo-me a acreditar. 
    Saiba, Júlio José, eu estou vivendo... Eu estou vivendo não sei quanto do possível viver. Não sei quanto do que mereço viver. Eu só tenho uma certeza... Viver mesmo é com você. O amor que lhe dedico, sem mesmo conhecê-lo de forma inteira, é coisa ditada pelos céus.  Também ditada pelos céus é a certeza de que eu, mesmo com toda simplicidade, também tenho de você o maior amor possível. 
    Júlio José... Meu presente e eterno amado, se os céus nos contemplarem, teremos chance. Teremos a nossa chance. A chance de vivermos este indecifrável e gigantesco sentimento. Um amor tão grande não pode se limitar a esse pouco que vivemos. Temos a obrigação de vivê-lo com a justa intensidade. Sua Sarah para sempre." (Autora: Aline Brandt - Todos os direitos reservados/Lei dos Direitos Autorais N° 9610/98)


    
DEDILHANDO O VIOLÃO

Todos dicen que es mentira que te quiero 
porque nunca me habían visto enamorado. 
Yo te juro que yo mismo no comprendo 
el porqué me fascina tu mirada. 
Cuando estoy cerca de ti, tú estás contenta. 
No quisiera que de nadie te acordaras. 
Tengo celos hasta del pensamiento 
que pueda recordarte a otra persona más. 

Júrame 
que aunque pase mucho tiempo 
no has de olvidar el momento 
en que yo te conocí. 
Mírame, 
pues no hay nada más profundo 
ni más grande en este mundo 
que el cariño que te di. 
Bésame 
con un beso enamorado, 
como nadie me ha besado 
desde el día en que nací. 
Quiéreme, 
quiéreme hasta la locura 
y así sabrás la amargura 
que estoy sufriendo por ti. 

Todos dicen que es mentira que te quiero... 
No quisiera que de nadie te acordaras. 
Tengo celos hasta del pensamiento 
que pueda recordarte a otra persona más.

(Júrame é a música que, gravada por diversos artistas, 
Júlio José usa para caracterizar seus sentimentos por Sarah)


Comentários

Postagens mais visitadas