O amor na rota da promessa - conto completo

    A festa de casamento de Carlos e Amália estava bastante animada. A cerimônia religiosa, na catedral de pedra, no centro da cidade, levara muitas pessoas às lágrimas. Já a recepção, na sede campestre da Associação de Médicos, merecia, dos jornalistas presentes, registro como um dos eventos mais requintados do ano.
    - Ainda não acredito que o Carlos se casou. Só a Amália, com paciência e persistência, para conseguir uma façanha destas - comentou Bento.
    - Verdade. Carlos se dizia um "solteiro por convicção". Mas acho que já estava na hora. Ele é bem-sucedido. E, tenho certeza, soube aproveitar o tempo que teve de homem descompromissado - falou Tarso.
    - Percebi que você não está aproveitando os maravilhosos drinques desta festa... Na hora do brinde nem tocou na taça de champanhe... Não está gostando da festa amigo Tarso? - perguntou Bento.
    - Preciso dirigir depois que sair daqui... Não disponho de alguém que possa assumir a direção do meu carro... E sabemos que álcool e direção não combinam - explicou Tarso.
    - Também estou de motorista. Hoje, entretanto, resolvi fazer uma exceção. Não é todo o dia que o nosso amigo Carlos se casa. Serei cuidadoso na volta - prometeu Bento com um sorriso no rosto.
    A festa seguiu, animadíssima, até a madrugada. Bento, mesmo apreciando os drinques, foi um dos primeiros a se despedir dos noivos e deixar o salão. Tarso, sentindo-se um pouco deslocado sem a presença do amigo de longa data, resolveu ir embora logo em seguida. "É melhor ir para casa. Amanhã será um longo dia. Almoço em família, para mim, é mais difícil do que vinte e quatro horas de plantão" - falou, aos noivos, depois dos votos de felicidade.
    Caminhos que se cruzam
    Tarso conduzia sua Mercedes, tranquilamente, quando percebeu uma agitação na pista. "Um acidente... Vou ver se posso ser, de alguma forma, útil". Desceu do carro - com a maleta em mãos - e reconheceu a Ferrari de Bento entre os veículos envolvidos. Foi tomado por um pressentimento nada agradável. "Espero que o Bento esteja bem."
    Chegando mais perto da confusão Tarso enxergou Bento, aparentemente em choque, falando ao telefone. Gritava, com lágrimas nos olhos, para que o socorro não tardasse. Quando viu Tarso a sua frente largou o telefone e, aos prantos, falou do que estava acontecendo... "Meu amigo... Tinha um ciclista na pista... No sentido contrário vinham dois carros... Um deles fez ultrapassagem indevida... Para não bater de frente puxei a direção... Eu tentei... Juro que tentei... Eu não consegui, porém, desviar do ciclista... Suplico-lhe que verifique se consegue fazer algo em socorro do rapaz. Meu Deus... Que quadro caótico eu criei!"
    Tarso, correndo, seguiu em direção à bicicleta totalmente destruída... Percebeu que o jovem condutor ainda respirava. Seu estado, infelizmente, era grave. "Provavelmente está com hemorragia interna... Com alguns órgãos bastante prejudicados. Vou tentar estabilizá-lo até a chegada da ambulância" - pensou Tarso. Quando se aproximou o ciclista abriu os olhos. "Fique calmo rapaz. Sou médico. Vamos sair desta" - disse Tarso.
   O jovem, contudo, fez um esforço imenso e falou... "Sei que não tenho muito tempo. Vou lhe pedir uma coisa... Prometa-me que cuidará da minha Laura... Ela ficará desolada sem a minha presença... Prometa-me e partirei em paz."
    Tarso, na tentativa de deixar o jovem mais calmo, prometeu: "Cuidarei da Laura enquanto você estiver no hospital. Depois de recuperado você mesmo poderá cuidar dela."
    O jovem ciclista, porém, sequer ouviu as últimas palavras de Tarso. Sua vida tinha sido ceifada, de forma trágica, em uma noite que podia ser de grande alegria...
    Tarso não conseguiu dormir... Mesmo com mais de dez anos de profissão ainda se sentia deprimido quando não conseguia salvar uma vida. O que mais o atormentava, contudo, era a promessa feita ao ciclista atropelado... Descobriu, no hospital, que o jovem se chamava Marcos... Era um promissor engenheiro... Laura era a sua noiva. "Eles se conhecem desde o ensino médio. Laura perdeu os pais quando criança. Foi criada pelos avós maternos. Depois que seus avós faleceram somente pôde contar com Marcos. Eles pretendiam se casar no próximo mês" - confidenciou-lhe um amigo de Marcos.
    Tarso também estava preocupado com Bento... "Bento estava alcoolizado. Não fora responsável, diretamente, pelo acidente. Responderá, mesmo assim, judicialmente" - observou Eduardo (jovem advogado chamado para acompanhar Bento).
    Laura    
    O almoço na casa dos pais foi, para Tarso, um teste de paciência... Além de ouvir as reclamações do pai - por não ter seguido a carreira de cirurgião plástico - obrigava-se a inventar desculpas, à mãe, por ainda não ter constituído uma família...
    - Meu filho... Você já está beirando os quarenta anos... E eu já passei dos sessenta. Será que não terei o privilégio de conhecer meus netos? - questionava, toda vez que o via, a sua mãe.
    A resposta de Tarso, para essa pergunta, era sempre a mesma: "Ainda não encontrei a mulher da minha vida... A que fará meu coração bater mais forte... Acredito no amor... Tenho certeza de que encontrarei uma mulher por quem farei tudo... Uma mulher que desejarei ter, ao meu lado, em todos os momentos."
    Depois do estafante almoço com a família Tarso foi ao hospital. Precisava dar uma olhada em alguns pacientes internados no setor de oncologia. "Se a nossa princesa Maria continuar respondendo tão bem ao tratamento acredito que, antes do dia das mães, poderá ir para casa" - comentou Tarso diante de olhares ansiosos dos pais da pequena Maria.
    Depois de visitar seus pacientes Tarso resolveu tomar um café. Encontrou, no restaurante do hospital, sua grande amiga Susana. A mulher tem cinquenta anos e é enfermeira-chefe do hospital. Tarso a conhece há mais de dez anos.
    - Posso lhe fazer companhia? - perguntou Tarso.
    - Você sabe que sim. É sempre bom trocar ideias com você meu querido amigo... Como está o Bento? - falou Susana.
    - Está chocado... Passei na casa dele hoje cedo. Bento se culpa por ter bebido numa noite em que precisava dirigir. Acha que, sem o álcool, talvez tivesse conseguido evitar o acidente. Concordo. O culpado de fato, entretanto, é o motorista inconsequente que fez a ultrapassagem indevida - colocou Tarso.
    - A noiva do jovem falecido está internada aqui no hospital. Chegou no final da tarde. Sentiu-se mal ao acompanhar o enterro e foi então trazida para cá. Ela está sedada. Ainda deve dormir um pouco. Se você quiser conhecê-la pode dar uma passada no quarto 301 - sugeriu Susana sabendo da promessa feita, por Tarso, na madrugada do acidente.
    - Vou vê-la sim... Prometi tomar conta dela. E, no que estiver ao meu alcance como médico, farei o possível para tornar este momento o menos penoso possível - comentou Tarso.
    Depois de alguns minutos de conversa Susana precisou voltar ao trabalho. Tarso ficou, mais um pouco, no restaurante. Aproveitou o momento de solidão para refletir sobre a vida. Depois seguiu em direção ao quarto 301.
     Ao chegar percebeu que Laura estava dormindo. Aproximou-se, da cama, bem devagar. Não tinha a intenção de acordá-la. Nesse momento, porém, Laura abriu os olhos. Quando seus olhos se cruzaram Tarso sentiu que o mundo nunca mais seria como conhecera até ali... Seu coração ficou acelerado... Foi tomado por uma sensação jamais experimentada. "É ela... A mulher que passei minha vida procurando."
    Tarso só foi despertado, de seus devaneios, pelo pranto de Laura. As lágrimas corriam, insistentemente, pelo rosto da bela jovem. Sem saber o que fazer, diante daquele sofrimento, tentou confortá-la com um abraço.
    - "Marcos era tudo o que eu tinha... Não sei o farei sem ele... Ficarei isolada neste mundo. A vida acabou" - previu pesarosamente a jovem Laura.
    - Laura... Eu sou Tarso... Ontem, logo depois do acidente, prometi, a pedido de Marcos, ajudar-lhe no que for necessário. E sou de cumprir minhas promessas. Tem aqui um amigo. Agora lhe recomendo descanso. Vou chamar uma enfermeira para lhe dar um calmante. Amanhã venho vê-la e poderemos conversar melhor.
    Tarso ficou no quarto até Laura voltar a dormir. Não mais falou. Só observou. Laura, a moça de pele morena e olhos verdes, arrebatara seu coração. Parecia frágil deitada naquela cama. "Que peça o destino resolveu me pregar? Esta moça, que sofre a perda do seu grande amor, por que me impressiona tanto? O que farei?" - pensou Tarso.
    Antes de ir para casa Tarso resolveu passear pelo parque. As folhas das árvores tomavam conta da calçada - em um festival de cores. "Preciso colocar os pensamentos em ordem. Vou ajudá-la a superar este momento difícil. Prometi que faria isso. Só que não sei como agir. Ela mexeu com meus sentimentos."
    Depois de quase uma hora de perambulação Tarso foi para casa. Na cabeça um turbilhão de pensamentos. No peito a necessidade de voltar correndo ao hospital e zelar pelo bem-estar daquela que, com um simples olhar, o estava cativando de forma irremediável. 

Parte 2
    Tarso não conseguira dormir... Passara a noite perambulando pelo apartamento. A bela vista que tinha da cidade não fora suficiente para impedi-lo de pensar, de forma constante, em Laura e na promessa feita a Marcos. "Talvez eu esteja misturando meus sentimentos. Fiquei bastante abalado com a morte de Marcos... Com a promessa que fiz... Acho que esta é a explicação para o aperto no peito que passei a sentir ao me deparar com Laura no hospital..."
    A noite insone não foi desculpa para Tarso adiar compromissos. Ele saiu da cama bem cedo e, após conferir a agenda, constatou que o primeiro paciente chegaria ao consultório perto das 9 horas. "Posso ainda dar uma passadinha no hospital... Aproveitarei para verificar como Laura está."
    Depois de conversar com os pacientes internados, na ala de oncologia, Tarso dirigiu-se ao quarto 301. Percebeu que Laura estava acordada. Olhar perdido no horizonte. O café da manhã intacto sobre a mesa.
    - Oi Laura... Como você está? - perguntou Tarso.
    - Não sei lhe dizer. Estou sentindo um vazio enorme. Não tenho vontade de comer... Tampouco de sair desta cama - falou, com lágrimas nos olhos, Laura.
    - Gostaria de conversar? Tenho algum tempo livre antes de ir para o consultório. Pode dizer o que quiser. Talvez, assim, se sinta um pouco melhor - sugeriu Tarso.
    Depois de alguns minutos de hesitação Laura resolveu expor algumas lembranças. A gentileza que enxergou em Tarso foi fundamental para que conseguisse abrir seu coração...
    - A morte de Marcos me dá a sensação de que estou sozinha neste mundo. Marcos era meu porto seguro. Meu amigo. Meu amor. Esteve ao meu lado desde a adolescência. Vivemos juntos uma série de conquistas. Superamos dificuldades. E muitos momentos ele enxugou minhas lágrimas. E gora não está mais aqui...
    Laura, aos prantos, tomou um pouco do suco de laranja - até então intocado - e prosseguiu...
    - Marcos não conheceu os pais... Passou a infância e a adolescência em um orfanato. Mas sempre foi uma pessoa esforçada. Aos dezoito anos conseguiu emprego em uma incorporadora. Estudou de maneira dedicada e, com crédito educativo, fez a faculdade de engenharia. Vibrava muito com os primeiros frutos de seus esforços... Você sabe por que Marcos estava, de madrugada, andando de bicicleta? Ele treinava para participar de competições... Todos os prêmios em dinheiro que ganhava destinava ao orfanato onde vivera por longos anos. Marcos era um homem bom... O melhor homem que conheci. Ajudou-me, mesmo cheio de incertezas, a superar momentos difíceis... Incentivou-me a correr atrás de meus sonhos. Fiz faculdade. Sou assistente social. Trabalho no orfanato onde Marcos cresceu. Acho que não terei coragem para retornar àquele ambiente. A saudade, lá, certamente será bem mais penosa.
    - Laura... Acho que o Marcos gostaria que você lutasse... Que você batalhasse para concretizar os seus sonhos... - ressaltou Tarso.
    - Marcos e eu somos de origem humilde. Para nós as coisas sempre foram difíceis. Não me conformo que, justamente quando vislumbrava crescimento na profissão, ele tenha falecido de forma tão absurda... Íamos nos casar... Teríamos filhos - para amarmos e educarmos... Nós tínhamos muitos planos... - confidenciou Laura.
    Tarso, mais uma vez sensibilizado com a fragilidade de Laura, foi impulsionado a lhe dar um abraço. Sentiu, então, o calor daquele corpo feminino. Foi um abraço diferente daqueles que costumava dar aos seus pacientes. Ele experimentou um prazer enorme.
    - Sabe que tem, em mim, um amigo. Prometi ao Marcos que lhe cuidaria. Vou fazer o que estiver ao meu alcance para você voltar a sorrir. Agora, contudo, preciso ir ao consultório. Tenho um dia cheio. Volto, no final da tarde, para ver como você está - disse Tarso.
    Laura deixou-se confortar por Tarso... Aceitou o abraço e as palavras de carinho. Tomou uma decisão... Não continuaria naquela cama. Falaria com seu médico e pediria alta. "Muitas providências precisam ser tomadas" - pensou.
    Compromissos
    Tarso passou a manhã inteira no consultório. Havia marcado almoço com Bento, às 12h30min, em um restaurante no centro da cidade. Ao chegar constatou que Bento estava muito abatido. Parecia também ter passado a noite em claro...
    - Como está meu amigo? - perguntou Tarso.
    - Nada bem. Desmarquei todos os compromissos da semana. Nada de pacientes. Nada de eventos sociais. Conversei hoje cedo com o meu advogado Eduardo. Falou-me que, provavelmente, além da multa que paguei, terei que prestar serviço comunitário - por estar dirigindo sob efeito de álcool. Mas, com certeza, o peso de consciência, por ter contribuído para a morte do jovem Marcos, será a maior pena que cumprirei - queixou-se Bento.
    - Bento meu amigo... Você não teve a intenção de atropelar o jovem Marcos. Foi uma fatalidade. Você está cumprindo as suas obrigações perante a justiça. E sabe que pode contar comigo sempre - destacou Tarso.
    - Você teve notícias de Carlos e Amália? Sabe se fizeram uma viagem tranquila? - perguntou Bento
    - Vi postagens da Amália em uma rede social. Eles estão bem. Aproveitam plenamente a lua-de-mel no Caribe - respondeu Tarso.
    - Alegra-me saber que estão bem. Carlos e Amália merecem desfrutar, com tranquilidade, desta planejada viagem - colocou Bento.
    O almoço durou mais ou menos uma hora. Tarso sentia-se na obrigação de confortar o amigo de longa data. Depois da conversa teve a impressão de que Bento estava um pouco mais tranquilo.
    - É hora de voltar ao consultório... Se precisar pode me ligar. Farei o que estiver ao meu alcance para lhe ajudar neste momento difícil - falou Tarso ao se despedir.
    Desencontros
    Tarso chegou ao hospital depois das 18 horas. Foi direto para a ala de oncologia. Conversou com os pacientes... Prescreveu medicamentos. Só concluiu seus compromissos às 20 horas. Depois de tomar um café foi até o quarto 301. Precisava ver Laura antes de voltar para casa.
    No quarto Tarso foi surpreendido. A cama estava arrumada. Nem sinal de Laura. Tarso, com pensamentos meio tumultuados, foi à enfermaria. "Preciso saber o que aconteceu. Susana poderá me ajudar."
    - Boa noite Susana. Saberia me dizer onde está a Laura? Fui até o quarto dela e não a encontrei... - colocou Tarso.
    - Ela recebeu alta no início da noite. Laura suplicou e o Miguel resolveu deixá-la ir para casa. Saiu daqui por volta das 19 horas. Um casal de amigos veio buscá-la - respondeu Susana.
    - Querida amiga. Eu preciso de um favor. Suplico-lhe que me consiga o endereço de Laura. Eu não posso deixá-la sozinha... Eu prometi protegê-la... - explicou Tarso.
    - Tarso... Você sabe que este tipo de informação é confidencial. Laura é paciente do Miguel. Farei, contudo, o que me pede. Amanhã irei até a secretária... Farei tudo para conseguir o endereço de Laura. Só terei, porém, esta informação após às 16 horas. Antes disso tenho alguns compromissos particulares. É meu dia de folga - informou Susana.
    Tarso foi para casa com um aperto no peito. Achou que não dormiria. O cansaço, de duas noites insones, contudo, lhe fez dormir profundamente. Tarso acordou cedo. Cumpriu todos os compromissos da agenda e, às 16h30min, telefonou para Susana.
    - Boa tarde amiga querida... Conseguiu o endereço de Laura?
    - Claro que sim. Não costumo desapontar meus amigos - brincou Susana.
    Tarso anotou o endereço de Laura. Resolveu que, depois dos compromissos no hospital, iria em direção ao bairro onde ela residia. O contato com os pacientes lhe exigiu mais de duas horas. Mesmo assim a procura da residência da jovem não foi protelada. O endereço foi localizado com facilidade. Tarso tocou a campainha diversas vezes. Não obteve resposta. Concluiu que esperar, em frente ao prédio, era recomendável. "Laura pode ter saído para jantar. Ela vai voltar."
    Depois de mais de meia hora de espera um senhor saiu do prédio. Tarso foi com ele conversar...
    - O senhor mora neste prédio? Poderia me informar se a moça, que reside no apartamento 202, costuma chegar muito tarde? Sou médico e amigo dela. Gostaria de saber como está... - revelou Tarso.
    - Sou síndico do prédio doutor. A Laura não voltará. Ela veio aqui, hoje, com um casal de amigos. Retirou seus pertences do apartamento. Despediu-se de vizinhos. Falou não ser possível morar aqui em razão da saudade que sente de Marcos. Mesmo com dois meses de aluguel pagos preferiu buscar outro lugar para viver - respondeu o senhor.
    Tarso despediu-se, a tristeza lhe apertando o peito, do gentil cidadão. Não sabia o que fazer. "Onde Laura estará? Como, nesta cidade imensa, poderei encontrá-la? Eu prometi que tomaria conta dela... E, além da promessa, tenho sentimentos por ela... Como esquecer esta moça que, com apenas um olhar, fez meu coração bater descompassado? Laura... Laura... Por que me deixar assim sem saída?"
    Tarso, apesar da aflição, manteve a sua rotina... Médico exemplar primava pelo atendimento dos pacientes. Trabalhar era uma forma de alívio à tristeza que sentia. Ele então trabalhou... Trabalhou e esperou... Esperou... Tinha uma alentadora convicção: um dia o destino devolverá Laura aos meus braços...


Parte 3
    A rotina de Tarso estava, aos poucos, voltando ao normal... Bento e Carlos, depois de duas semanas de ausência, retornaram ao trabalho. Por esta razão o número de pacientes internados no hospital, sob a responsabilidade de Tarso, diminuiu significativamente.
    - Não sei o que faria sem você amigo. A ausência de Carlos foi programada. Já a minha... Não estava em meus planos abandonar compromissos. Fiquei sobremaneira abalado em razão do acidente. Agradeço, do fundo do coração, por cuidar tão bem dos meus pacientes nestes dias de grande aflição - disse Bento.
    - Tenho certeza de que você agiria da mesma maneira meu amigo - comentou Tarso.
    - Vou encontrar uma forma de retribuir sua generosidade. Você não tinha essa obrigação... Já havia se comprometido de atender os pacientes do Carlos. Deve estar sobrecarregado. Se precisar de uns dias de folga me avise. Eu cubro seus horários no hospital - falou Bento.
    - Não se preocupe comigo Bento... O trabalho tem sido, nestes mais recentes dias, minha única válvula de escape para não pensar no sumiço de Laura - destacou Tarso.
    - Esqueça a promessa que fez. Essa moça, pelo jeito, não está querendo ser encontrada - ponderou Bento.
    O passar do tempo  
    Os dias foram se transformando em semanas... As semanas em meses... Tarso percorria a cidade, no seu tempo livre, em busca de Laura. Em várias ocasiões teve a impressão de enxergá-la. Mas era só se aproximar da pessoa que lhe chamara atenção para perceber o engano. "O destino, definitivamente, me pregou uma peça. Só pode ser. Ele me acena com a possibilidade de vivenciar um amor para, logo em seguida, levá-lo para longe."
    Tarso, Bento e Carlos, aproveitando uma noite de folga, saíram para conversar. Escolheram, como ponto de encontro, um pequeno e aconchegante restaurante na parte histórica da cidade. O frio não impediu que a troca de ideias se estendesse até altas horas da noite.
    - Precisamos nos encontrar mais vezes... Relembrar os tempos de faculdade... Foram anos de muito estudo e centenas de noites sem dormir. Mesmo assim sempre encontrávamos tempo para uma diversão. Sinto falta das memoráveis festas dos acadêmicos e, principalmente, das conversas que tínhamos nos poucos momentos de folga - lembrou Carlos.
    - Verdade... Os anos passam rápido demais. As responsabilidade vão aumentando... Falta tempo para dedicar aos amigos  - comentou Tarso.
    - Tarso... Olhe o casal que está entrando no restaurante. Eu estava meio desnorteado na noite do acidente... Acho, porém, que é o amigo de Marcos e Laura... O jovem que conversou com você no hospital - alertou Bento.
    - É ele!!! Vou ver se consigo alguma informação sobre o paradeiro de Laura - falou Tarso.
    Tarso se aproximou do jovem casal com visível ansiedade. Foi reconhecido, de imediato, pelo rapaz...
    - Boa noite doutor! Como tem passado? - perguntou o rapaz.
    - Boa noite. Estou bem... E você com está? - indagou Tarso.
    - Muito bem  - respondeu o rapaz.
    - Preciso de um favor... Você sabe onde posso encontrar Laura? Desde que ela saiu do hospital não tive mais notícias... Estou preocupado com o bem-estar dela - disse Tarso.
    O rapaz, que Tarso lembrou chamar-se Rodrigo, contou que Laura estava trabalhando, à tarde, no Centro de Assistência Social. Também falou que Laura havia alugado pequeno apartamento em um bairro longe do centro da cidade.
    Tarso, depois da breve conversa com Rodrigo, despediu-se de Bento e Carlos. Em seguida foi para casa. Apesar do cansaço o sono não foi tranquilo... Na cabeça havia um turbilhão de pensamentos - todos direcionados a Laura. "Faz tanto tempo que não a vejo... Nem posso acreditar que amanhã vou encontrá-la."
    Reencontro   
    Tarso cumpriu todos os compromissos do dia. Decidiu que, antes de visitar seus pacientes no hospital, iria até o Centro de Assistência Social.
   Laura estava em sua sala quando foi surpreendida pelo anúncio da chegada de Tarso. Foi encontrá-lo na recepção. Ao vê-lo seu coração se encheu de ternura... "Já estava esquecendo este jeito doce de Tarso. Ele deve ser uma pessoa especial."
    - Olá Tarso... Que surpresa... Não esperava sua visita - falou Laura.
    - Encontrei o Rodrigo ontem à noite... Ele me contou que você está trabalhando aqui. Resolvi procurá-la. Precisava saber como está. Você desapareceu depois daquela nossa última conversa no hospital -  reclamou Tarso em tom de brincadeira.
    - Não tive a intenção de preocupá-lo... Se soubesse que lhe causaria aflição teria telefonado - ressaltou Laura.
    Depois de um amigável e carinhoso abraço Tarso e Laura deixaram o Centro de Assistência Social. Foram conversar em um parque nas proximidades...
    - Uma caminhada fará bem. Tenho meia hora de intervalo. Posso me ausentar um pouco do escritório - explicou Laura.
    - Também estou precisando respirar um pouco de ar puro... Passo meus dias entre quatro paredes... Mas deixemos a minha rotina de médico de lado. Fale-me um pouco da sua vida. Como tem passado? - quis saber Tarso.
    - Estou começando a me sentir melhor... A saudade que sinto de Marcos ainda dilacera meu coração. Existem dias em que acordo pensando que tudo não passou de um sonho... Que o Marcos vai, a qualquer momento, reaparecer. Aos poucos, porém, estou aprendendo a conviver com a ausência dele - confessou Laura e prosseguiu:
    - Aquela conversa que tivemos no hospital foi de grande ajuda... Eu estava me sentindo em um buraco sem fundo... Suas palavras me resgataram. Percebi que não adiantava me desesperar porque Marcos não iria voltar... Optei, então, por continuar vivendo. Para que isto acontecesse, entretanto, eu precisava mudar a rotina. A primeira decisão que tomei foi sair do apartamento onde morávamos. Afinal: era o nosso apartamento - do Marcos e meu. Eu não conseguiria viver lá sem ele. Também precisava deixar para trás o trabalho no orfanato (pelo menos enquanto a dor persistisse) - confidenciou Laura.
    - Fico feliz por saber que está conseguindo se recuperar. Está gostado do seu novo trabalho? - questionou Tarso.
    - Sinto saudade das crianças do orfanato... Estou buscando outros meios de ajudá-las... O trabalho aqui é bom... O salário é baixo - em razão de ser uma jornada só de meio expediente. Estou, por este motivo, procurando mais um emprego - revelou Laura.
    - Acho que posso lhe ajudar. A assistente social do hospital entrará, brevemente, em licença maternidade. Posso indicar o seu nome para ocupar a vaga - já que ainda não surgiram candidatas com as referências necessárias - frisou Tarso.
    - Eu adoraria trabalhar no hospital... Serei-lhe grata por mais esta ajuda. Você é um bom amigo Tarso. Estou feliz por ter resolvido me procurar - pontuou Laura.
    Tarso e Laura conversaram por mais alguns minutos... As obrigações profissionais, porém, fizeram com que se afastassem.
    - Foi muito bom conversar com você Tarso. Mais uma vez obrigada por tudo que tem feito por mim - agradeceu Laura.
    - Não precisa agradecer... Prometi, ao Marcos, que a atenderia em todas as circunstâncias. Você tem, em mim, um amigo. Eu a espero amanhã cedo no hospital. Vou lhe apresentar a diretora de recursos humanos... O resto fica por sua conta - colocou Tarso com um sorriso iluminado.
    A despedida deu-se com um abraço - que, para os observadores, foi bem mais longo do que o necessário... Laura voltou ao trabalho. Tarso, com o coração cheio de esperança, foi visitar seus pacientes no hospital. "O dia foi perfeito... Quem sabe o que o futuro reserva? Acho que consigo uma brecha no coração tão sofrido de Laura... Tenho esperança de que ficaremos juntos" - pensou ele ao chegar em casa.
    Tarso, depois de meses sem conseguir dormir direito, teve então uma noite tranquila. O coração estava, enfim, começando a bater em ritmo sossegado...


Parte 4
    Laura levantou cedo... O apartamento onde morava ficava em um bairro afastado do hospital... O trajeto de ônibus, até o centro da cidade, levaria quase uma hora. "Este emprego é sobremaneira importante para eu continuar auxiliando as crianças do orfanato. Vou fazer o que estiver ao meu alcance para conseguir mais esta oportunidade de trabalho" - pensou.
    Laura chegou ao hospital antes das 8 horas. Para sua surpresa Tarso a aguardava, com um sorriso, na recepção...
    - Bom dia Laura... Como você está? - quis saber Tarso.
    - Estou muito bem... Ansiosa com a possibilidade de conseguir o emprego... Preciso, mais uma vez, lhe agradecer por tudo que tem feito por mim - falou Laura.
    - Não há necessidade de agradecer. Só estou agindo conforme o que dita o meu coração... A Luciana, diretora de recursos humanos, já chegou. Conversei com ela. Agora só depende de você. Mas acho que, no final da tarde, teremos motivos para comemorar. Que tal sairmos para tomar um café? - sugeriu Tarso.
    - Mesmo se a vaga for preenchida por outra pessoa faço questão de lhe oferecer um café. Preciso retribuir o carinho e a atenção que tem dedicado a mim - observou Laura.
    - Então fica combinado. Passo, no final da tarde, no Centro de Assistência Social. Conheço um lugar, pequeno e aconchegante, onde servem um café delicioso. Tenho certeza de que gostará - comentou Tarso.
    Tarso e Laura se despediram em seguida. Tarso foi direto para o consultório. Sua agenda de compromissos estava lotada. Laura, por sua vez, pôde conversar com Luciana por mais de meia hora.
    - Foi um prazer conhecê-la. Será bom tê-la em nosso quadro de funcionários - mesmo que temporariamente. As recomendações vieram de um dos nossos mais notáveis médicos. E suas referências são excelentes  - disse Luciana.
    - Esta é a melhor notícia que eu poderia receber neste momento... Fico extremamente grata pela confiança. Quando começo? - perguntou Laura
    - Venha até o hospital na sexta-feira. A Tatiana, nossa assistente social, lhe explicará o que for preciso. Traga cópias de documentos pessoais e comprovante de residência. O treinamento, de uma semana, começa na próxima segunda-feira. Aproveite este tempo, ao lado da Tatiana, para dirimir todas suas dúvidas. Depois ela entrará em licença maternidade e o setor de assistência social ficará sob sua responsabilidade - explicou Luciana.
    Impressionante afinidade
    Laura e Tarso se encontraram no final da tarde... Conversaram, no trajeto entre o Centro de Assistência Social e a cafeteria, sobre assuntos diversos... A cafeteria estava lotada. Foi preciso paciência para conseguir uma mesa. Tarso e Laura, contudo, não se importaram em esperar. A conversa fluía com naturalidade. Parecia que eram velhos conhecidos...
    Assim que conseguiram um lugar Tarso e Laura pediram café. Como acompanhamento torta de chocolate e salgados diversos - sugestão de Tarso.
    - Que lugar encantador - comentou Laura.
    - Quando era criança costumava vir aqui na companhia dos meus pais. Meu pai trabalhava muito. Quando estava de folga trazia, minha mãe e eu, para comer torta de chocolate. Eu esperava, com ansiedade, por estes momentos em família - confidenciou Tarso.
    - Seu pai também é médico? - quis saber Laura.
    - Meu pai já está aposentado. Posso lhe dizer, entretanto, que foi um cirurgião plástico muito conceituado. Até hoje me critica por não ter seguido seus passos... Eu não o culpo. Afinal: obrigou-se, quando decidiu se aposentar, a vender sua renomada clínica para um colega. Foi um momento de muita tristeza para ele - relembrou Tarso.
    - Desculpe a franqueza... Acho que seu pai deveria se orgulhar da opção que você seguiu... Você já salvou muitas vidas... Especializar-se em oncologia foi um ato bastante nobre de sua parte. Poucas pessoas seguem este caminho na medicina. É preciso dedicação e profundo amor - disse Laura.
    - Tenho certeza de que ele me admira... Só que não se conforma por ter passado a clínica, que foi construída com bastante sacrifício, para pessoas não ligadas à família - revelou Tarso.
    Não era tarde quando Tarso levou Laura para casa. Ambos precisavam começar cedo a jornada do dia seguinte. A despedida se deu, mais uma vez, com carinhoso abraço. Depois desse breve boa noite Tarso permaneceu, em frente ao pequeno prédio residencial, por mais tempo do que o necessário. Relembrava, com ternura, os agradáveis momentos que passara ao lado da mulher que ocupava seus pensamentos e era dona dos seus melhores sentimentos.
    Trabalho
    Para encontrar Laura, todos os dias, Tarso fez algumas alterações em sua agenda... Chegava ao hospital pouco antes das 8 horas e, após visitar seus pacientes, passava no setor de assistência social para com a bela jovem conversar. Seu comportamento não passou despercebido por Bento:
    - Meu caro amigo... Você já não devia estar no consultório? Acho que está realmente apaixonado por esta moça - brincou Bento ao encontrar Tarso saindo da sala de Laura.
    - Modifiquei um pouco minha agenda. Só começo a atender, no consultório, às 9h30min. Assim tenho mais tempo para dedicar aos pacientes internados no setor de oncologia - justificou Tarso.
   - Sei... Vou fazer de conta que acredito. Tenho novidades. Já saiu a sentença do atropelamento. Além de pagar uma multa vou prestar serviço comunitário no orfanato onde o Marcos cresceu - informou Bento.
    - Imaginei que isso poderia acontecer. E quando você começa? - indagou Tarso.
    - Começo amanhã. Serão dez horas de trabalho por semana - durante um ano. Mas estou feliz. Fui até o orfanato ontem. Aquelas crianças precisam de carinho. Carecem de pessoas que realmente demonstrem interesse por elas. Acho que meu trabalho lá será de grande ajuda - confidenciou Bento.
    - Laura me falou de uma conversa que teve com você na semana passada - comentou Tarso.
    - Sim. Conversamos brevemente. Afinal: somos colegas. Ela me disse que não guarda mágoa em relação ao acidente. Que, depois de muita reflexão, tem certeza de que houve uma fatalidade. Garantiu que me perdoa - revelou Bento.
    - Fico feliz por você meu amigo. Agora preciso ir. O trânsito, neste horário, não é dos mais complicados. Mesmo assim não quero correr o risco de chegar atrasado ao consultório - frisou Tarso.
    No final da tarde Tarso foi ao Centro de Assistência Social. Precisava conversar com Laura. "Vou abir meu coração... Acho que já é hora de Laura saber o quanto se tornou importante para mim" - pensou Tarso.
    Uma chance para o amor
    Laura ficou visivelmente feliz ao se deparar com Tarso sentado em um banco nas proximidades do Centro de Referência Social. Seu coração se encheu de ternura e um sorriso iluminou seu rosto. "Como ele está bonito. Ainda não tinha me dado conta do quanto gosto de vê-lo. A presença de Tarso, em minha vida, está se tornando indispensável." Laura foi, então, ao encontro do atencioso e delicado médico...
    - Olá Tarso... Não esperava vê-lo por aqui hoje. Aconteceu alguma coisa? - quis saber Laura.
    - Está tudo bem... Preciso, no entanto, lhe falar de algo importante. Você tem uns minutinhos? - perguntou Tarso.
    - É claro... Sempre tenho tempo para conversar com você - respondeu Laura.
    Laura sentou-se, então, ao lado de Tarso. O coração batia descompassado. As mãos estavam geladas... "O que está acontecendo comigo? Pareço até uma adolescente. Que bobagem me sentir assim na presença do Tarso. Somos amigos" - refletiu.
    - Laura... Você sabe que fiz uma promessa ao Marcos na noite do acidente. Prometi ajudá-la no que for necessário. Só que, desde a primeira vez que a vi, minha vida mudou. Você tem ocupado meus pensamentos - confessou Tarso e, após uma pequena pausa, prosseguiu:
    - Quando você desapareceu, sem deixar pista, fiquei desorientado. Eu a procurei em centenas de lugares. Fui ao seu antigo apartamento... Ao orfanato... Nem conseguia dormir direito. É claro que não queria aceitar que você, em pouco tempo, havia me despertado tão forte sentimento. Achava que minha preocupação se dava em razão da promessa que fiz ao Marcos. Só que depois que a reencontrei o desejo de estar ao seu lado ficou ainda maior. Eu quero estar com você em todos os momentos. Meu coração se enche de ternura toda vez que a vejo. Laura... Não sou tão ingênuo ao ponto de acreditar que meus sentimentos são correspondidos. Quero que saiba, contudo, que quando estiver pronta para um relacionamento não deixe de me dar uma chance.
    Depois de alguns minutos em completo silêncio Laura resolveu abrir seu coração:
    - Tarso... Estou confusa... Não sei definir o que sinto por você. A morte de Marcos ainda é recente. Não posso negar, mesmo assim, que você mexe com meus pensamentos. Que eu também anseio estar ao seu lado. Só não posso lhe dizer se isto é amor - confidenciou Laura.
    - Eu a entendo minha querida. Sei como deve estar se sentindo. Só que ficar longe de você, mesmo por poucas horas, está se tornando difícil. Um martírio. Sonho com a possibilidade de uma chance. Acho que você precisa se libertar para um novo amor. E eu quero ser este novo amor - enfatizou Tarso.
    Laura, depois de alguns segundos de vacilo, fixou seus olhos em Tarso e fez o que até então era inimaginável... Aproximou-se e, entre tímida e trêmula, o beijou. Foi um leve roçar de lábios mas cheio de ternura. Nada mais precisava ser dito naquele momento. Laura e Tarso saíram, então, de mãos-dadas. O passado estava sendo deixado para trás. O futuro ainda seria desvendado. O presente? Ah! O presente!!! Este se mostrava inspirador de uma colossal paixão.


Parte 5

    Tarso chegou em casa sem acreditar que havia conseguido beijar Laura. O simples roçar de lábios, doce e repleto de ternura, fez seu coração se encher de alegria. Laura, por sua vez, adormeceu pensando em sua ousadia. Mas sentia-se feliz. "A vida é uma caixinha de surpresas... De agradáveis surpresas."
    Depois daquele primeiro beijo Tarso e Laura começaram a se encontrar com frequência. Aguardavam, com ansiedade, a chance de estarem juntos. Laura, porém, sentia-se culpada por experimentar tamanha alegria ao lado de Tarso. "Parece que estou traindo a memória de Marcos" - confidenciou Laura, em uma tarde ensolarada, aos seus amigos de longa data Rodrigo e Dora... 
    Almoço em família
    - Tarso, meu filho, você está tão diferente. Posso saber qual é o motivo deste brilho em seus olhos? Será que responde pelo nome de Laura? - quis saber Joana.
    - Jamais imaginei me sentir assim. Tenho certeza de que Laura é a mulher da minha vida. Parece que a conheço há anos. Estou feliz minha mãe... Muito feliz - contou Tarso.
    - Essa moça mexeu com seus sentimentos. Nunca o vi tão empolgado com um relacionamento. Você concorda em convidá-la para o almoço em família do próximo domingo? Acho que já passou da hora de nos conhecermos - sugeriu Joana.
    Laura ficou apavorada com o convite. Ainda não se sentia pronta para conhecer a família de Tarso. Resolveu, contudo, aceitar. Esperou Tarso, no horário marcado, com o coração batendo em ritmo acelerado. As mãos estavam suadas. "Será que estou pronta para dar este passo?"
     - Está tudo bem minha querida? Você parece um pouco nervosa. Se é por causa dos meus pais fique tranquila. Posso lhe garantir uma coisa... Eles vão adorar você - disse Tarso.
    A residência de Joana e Santiago ficava em um bairro nobre da cidade. A arquitetura imponente chamava atenção. O jardim, extremamente bem-cuidado, ocupava quase um quarteirão. Laura avistou, já ao atravessar os portões, um casal sentado em um banco no jardim...
    - Estes são meu pai Santiago e minha mãe Joana. Eles costumam aguardar as visitas dentro de casa. Acho que estavam ansiosos em conhecê-la minha linda - brincou, ao fazer as apresentações, Tarso.
    - Laura querida... Parece que já a conheço. O Tarso são cansa de elogiá-la. Só não fez justiça à sua beleza - observou Joana.
    - É verdade... Joana e eu já sabemos quais são as suas qualidades. Se tem algum defeito desconhecemos. Nosso filho só fala de virtudes - confirmou Santiago.
    - O Tarso também deixa transparecer bastante carinho quando se refere à relação que tem com vocês. Obrigada por me acolherem nesta bela casa - falou Laura.
    Depois de um maravilhoso almoço todos foram passear pelo jardim. A conversa, que girou em torno de assuntos leves, foi bastante agradável. O tempo, naquele domingo de temperatura amena, passou rapidamente.
    - Foi um imenso prazer conhecê-los Joana e Santiago - comentou Laura.
    - Nós é que estamos felizes por tê-la, finalmente, conhecido. Achávamos, Santiago e eu, que o Tarso fugia de relacionamentos sérios. Com você, entretanto, é diferente. Nosso filho está apaixonado. Não vejo a hora desta casa estar cheia de crianças - revelou Joana.
    - Querida... Não seja apressada. Eles ainda nem se casaram e você já está falando de crianças. Deste jeito você assusta a moça - disse em tom de brincadeira Santiago.
     A despedida se deu com abraços carinhosos e convites para outros almoços em família. O sorriso de Laura, porém, não era compatível com a agitação que sentia. "Casamento? Filhos? Será que já estou pronta?"
    Tarso estava de plantão naquele domingo. Deixou Laura em casa e foi para o hospital. Laura pôde, então, refletir sobre o rumo que sua vida estava tomando. "Tarso é maravilhoso... Gentil... Generoso... Adoro estar em sua companhia. Só que nosso relacionamento está evoluindo de maneira muito rápida. Tenho a sensação de que estou traindo a memória de Marcos. Preciso de um tempo para pensar."
    Outros rumos
    No dia seguinte Laura chegou cedo ao hospital. Precisava falar com Tarso antes de começar a trabalhar. Deparou-se com ele na lancheria. E, de imediato, um sorriso surgiu em seu rosto.
    - Olá Tarso... Tem um tempinho para a gente conversar? - questionou Laura.
    - Claro, minha linda, sempre tenho tempo para falar com você. Que surpresa boa vê-la aqui tão cedo - observou Tarso.
    - Acho que você não gostará do que tenho para falar. Você é uma das melhores pessoas que conheci. Meus sentimentos por você são os melhores. Só que estou confusa. Ontem, quando seus pais mencionaram casamento e filhos, fiquei abalada. É de seu conhecimento que eu sonhava casar e constituir família com o Marcos. Não sei se estou pronta para este tipo de compromisso neste momento. Ainda não conversamos sobre casamento e filhos. Só que, quando este dia chegar, tenho que estar convicta de que é o caminho que meu coração deseja seguir - desabafou Laura.
    Tarso, apensar do choque que as palavras de Laura lhe causaram, concordou...
    - Se precisa de um tempo para colocar seus sentimentos em ordem você o terá. Saiba, contudo, que estou apaixonado... Que jamais desejei uma mulher com tanta intensidade... Que com você experimentei o amor verdadeiro. Não sou egoísta. Mas a quero por inteiro. Mesmo assim, se for sua vontade, darei o tempo que precisar. Laura... Minha doce Laura. Só volte quando estiver convicta de que me ama o suficiente para esquecer o passado que tanto a tortura.
    Tarso e Laura despediram-se com um beijo terno. Os dias seguintes foram de muito trabalho para ambos. Laura cumpria a agenda de seus últimos dias como assistente social do hospital. Tarso dedicava a maior parte do seu tempo no tratamento dos pacientes internados no setor de oncologia.
    - Silvana e Ricardo... Tenho uma excelente notícia. A nossa pequena Maria poderá voltar para casa hoje. Os resultados dos mais recentes exames surpreenderam toda a equipe médica. Maria está curada. Sim!!! Podem comemorar. A nossa heroína está curada - revelou Tarso.
    Entre lágrimas e sorrisos Silvana foi arrumar as coisas de Maria. Ricardo, exalando felicidade, precisava assinar alguns papéis na recepção.
    - Pode deixar que cuido da Maria. Vou levá-la até a brinquedoteca. Assim terei tempo para me despedir da minha pequena heroína - sugeriu Tarso.
    Laura caminhava, apressada, pelos corredores do hospital quando avistou, através da vidraça, Tarso brincando com a menina. Ele estava sentado, no chão, em meio a um monte de bonecas. O olhar repleto de ternura. A menina conversava, cheia de animação, com Tarso e as bonecas. "Tarso é maravilhoso. Além de médico extremamente competente tem um coração generoso. É... Sinto falta dele. Muita falta." Laura foi despertada, de seus devaneios, por Amália.
    - Oi Laura. Tarso é um homem maravilhoso. Existem poucos com tantas qualidades. Não quero me intrometer em sua vida. Preciso, porém, lhe dizer uma coisa. Se você estiver disposta a ouvir - observou Amália.
    - Não tenho muito tempo. Na próxima semana meu contrato de trabalho termina. Devo deixar tudo organizado para a volta da Tatiana. Vou, contudo, ouvi-la - ressaltou Laura.
    - Quando conheci o Carlos, um "solteiro por convicção", precisei me esforçar para conquistar o seu amor. Ele não queria compromisso. Eu sabia, porém, que homens como ele, de coração generoso, que lutam pelo que é certo, são raros. Você, sem esforço algum, conquistou Tarso e o está deixando escapar. Volto a dizer... Homens como Carlos, Tarso e até mesmo Bento são raros. Pense nisso. Bem... Agora vou deixá-la trabalhar. Preciso falar com o Carlos. Tenho uma excelente notícia. Você sabe onde posso encontrá-lo? - perguntou Amália.
    - O Carlos está na enfermaria. Foi falar com a Suzana. Pelo que sei só está passando algumas instruções antes de ir para o consultório - respondeu Laura.
    - Obrigada Laura. E pense no que lhe falei - sugeriu Amália ao se despedir.
    O presente de Laura
    Laura passou o dia com o coração apertado. As palavras de Amália a deixaram em grande aflição. Quase não dormiu à noite. Queria telefonar para Tarso. Achou, porém, que este tipo de revelação precisava ser feita pessoalmente. Chegou cedo ao hospital. Dirigiu-se ao setor de oncologia - onde foi informada, por Suzana, que Tarso não estava. "Os pacientes dele estão sob a responsabilidade de Bento. Não sei lhe dizer por quanto tempo."
    - Bom dia Bento. Você sabe onde o Tarso está? Ele não veio ao hospital... Seu celular está desligado. Preciso, urgentemente, com ele falar - destacou Laura.
    - O Tarso está indo para os Estados Unidos. O avião sai às 10 horas. Acho que, se você for rápida, consegue conversar com ele antes do embarque - ponderou Bento.
    Laura saiu correndo do hospital. Precisava pegar um táxi e chegar ao aeroporto antes de Tarso deixar o Brasil. Seu coração estava apertado. Lágrimas começaram a molhar suas faces. "Tarso está indo embora. Acho que deixei escapar a felicidade. Preciso, porém, revelar o quanto o amo."
    - Por quê você não falou para a Laura que Tarso retorna na segunda-feira? - quis saber Carlos.
    - Só por uma razão... Acho que chegou a hora da Laura correr atrás do que deseja. Nosso amigo merece saber, antes de embarcar, que seus sentimentos são correspondidos - respondeu Bento.
    - Você está certo meu amigo. Deixemos, contudo, este assunto para outra hora. Quero lhe dar os parabéns Bento. Você vai ser padrinho!!! - contou Carlos.
    - O quê? Não estou entendendo. Eu vou ser padrinho de quem? - questionou Bento.
    - A Amália está grávida... Vamos ter um filho... Ou uma filha. Ontem, depois de receber o resultado dos exames, ela esteve aqui no hospital. Disse que não poderia guardar esta maravilhosa notícia até eu chegar em casa. Estou tão feliz... E seria uma honra se você aceitasse ser o padrinho - informou Carlos.
    - É claro que aceito!!! Nossa!!! Estou tão feliz por vocês... Essa criança vai ser muito paparicada - frisou Bento.
    Laura chegou ao aeroporto bem mais rápido do que imaginava. Depois de alguns minutos de procura avistou Tarso nas proximidades do portão de embarque. Sem conter a ansiedade foi correndo ao seu encontro. E, ofegante, falou...
    - Tarso... Desculpe incomodá-lo. Talvez você não quisesse falar comigo antes de partir. Preciso, porém, lhe dizer uma coisa importante.
    - Minha querida... Eu só... - Tarso tentou falar mas foi interrompido por Laura...
    - Peço que me deixe contar o que sinto antes que perca a coragem... Tarso meu amor. Sim!!! Você é o meu amor. Não poderia deixá-lo ir embora sem lhe contar que meu coração é todo seu. Amei o Marcos. Mas ele é meu passado. Você, entretanto, é meu presente. E eu gostaria muito que fosse também meu futuro - enfatizou Laura.
    - Nossa Laura... Você não imagina a felicidade que sinto. Eu a amo desde o primeiro dia que a vi. Saber que este sentimento, puro e sincero, é correspondido faz de mim o homem mais realizado do mundo - ressaltou Tarso.
    Tarso e Laura, depois de um beijo apaixonado, conversaram por mais alguns minutos. Laura ficou sabendo que Tarso retornaria na segunda-feira. 
    - Estou indo aos Estados Unidos participar de um congresso... Volto, em quatro dias, para os seus braços minha linda. Poderemos, então, desfrutar de todo tempo. Não vejo a hora de tê-la em meus braços todos os dias  - disse, na despedida, Tarso.

    Pós-conto

    Tarso e Laura estão de casamento marcado. A cerimônia deve ser realizada, no dia 14 de maio, na catedral de pedra existente no centro da cidade. Laura voltou a trabalhar no orfanato - o passado não mais a perturba. Tarso continua sendo um dos médicos mais dedicados do hospital. O filho de Carlos e Amália nasceu no dia de natal. Recebeu o nome de Nícolas. Bento, mesmo já tendo cumprido a pena imposta pela justiça, continua prestando serviços no orfanato. Ainda está solteiro. Diz que é um "solteiro por convicção". É a vida que segue... Com momentos às vezes meio confusos mas repleta de alegrias. O importante, descobriram nossos personagens, é aproveitar o presente da melhor maneira possível. (Autora: Aline Brandt - Todos os direitos reservados/Lei dos Direitos Autorais N° 9610/98)



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