As artimanhas do coração - parte 2

    Eugênia chegou a pegar as chaves do carro... Mas achou que uma caminhada poderia lhe fazer bem. Ao colocar as chaves sobre o aparador deparou-se com uma imagem no espelho. Quase não reconheceu a senhora que lhe fitava. Parecia ter envelhido décadas em apenas alguns meses. O rosado das faces, que Leopoldo achava encantador, havia desaparecido. Os cabelos tinham perdido o brilho. Somente profundas olheiras se destacavam. A mudança mais radical, porém, não era visível aos olhos. A mudança mais radical estava no imenso vazio que lhe apertava o peito... Na saudade que não podia medir e, tampouco, definir.

    Trinta e seis anos antes
    Leopoldo voltou para a capital poucos dias depois do noivado de Guilherme e Lúcia... Ao despedir-se de Eugênia prometeu: "Em breve retorno. Quero pedi-la em casamento de forma apropriada. Antes, contudo, preciso comunicar minha família sobre a nossa decisão. Não fique triste minha querida. Você é presença constante em meus pensamentos. Ocupa lugar mais do que especial em meu coração."
    Leopoldo não esperava que o anúncio da decisão de um casamento repentino provocasse, na família, tanta comoção. Seus irmãos Alberto e José, equilibradíssimos como sempre, não emitiram opinião, apesar do espanto visível. Seu pai Osvaldo mostrou-se resistente. A sua mãe Mariana foi totalmente contrária. Nem se preocupou em disfarçar a imensa decepção que Leopoldo lhe causava. Era pessoa que não podia ser contrariada.
    - Meu filho... Você já disse que a moça não está grávida. Então não vejo motivo para que se casem tão rápido. Vocês mal se conhecem - disse Mariana.
    - Sei que pareço estar agindo de forma precipitada. Tenho certeza, no entanto, que Eugênia é a mulher da minha vida. Não espero que me compreenda minha mãe. Só desejo que aceite meu casamento - pediu Leopoldo.
    - Não pense que desaprovo seu relacionamento. Não conheço a moça e, por este motivo, fico impedida de emitir opinião. Só que você está apenas iniciando carreira na medicina. O casamento lhe trará mais responsabilidades. Será preciso dividir seu tempo entre plantões, consultório, especialização, família... Será uma sobrecarga de compromissos que não acho condizente com pessoa assim tão jovem - observou Mariana.
    - Tenho ciência das responsabilidades. Entretanto: desejo ser plenamente feliz. Vida plena só desfrutarei se Eugênia estiver ao meu lado. Dividiremos alegrias e preocupações... Superaremos juntos os obstáculos. A decisão já está tomada. Vamos nos casar no início do próximo ano. Constato que não aprova meu casamento. Desejo do fundo do coração que nos dê sua bênção - destacou Leopoldo.
    Mariana, apesar de contrariada, percebeu que nada poderia fazer para impedir ou, pelo menos, adiar o casamento. Optou, então, por aceitar a decisão de Leopoldo.
    - Venha aqui meu filho. Abrace-me - pediu Mariana e continuou... - Não concordo com esta sua urgência... Que fique bem claro. Sei que, por causa desta moça, você não aceitou a bolsa de estudos nos Estados Unidos. A opção de fazer especialização no Brasil também me desagradou sobremaneira. Amo você de todo coração. Sempre fiz o possível para vê-lo feliz. Se acredita que somente ao lado de Eugênia a vida será plena lhe desejo sorte. Vocês têm minha bênção."
   Plena felicidade
    Em meados de junho Leopoldo voltou ao vilarejo. Na bagagem, além de algumas roupas e outros artigos de uso pessoal, um belíssimo anel de noivado. Eugênia, com incontida alegria, o esperava na estação. O reencontro foi recheado de beijos e lágrimas. Os dois jovens seguiram para a capela. Após marcarem a data do casamento - 12 de fevereiro - foram para a fazenda de Antônio e Maria (pais de Eugênia). A cerimônia de noivado, com a presença de familiares e alguns amigos, foi realizada naquela noite. Leopoldo não podia ficar mais tempo na companhia de Eugênia. Compromissos importantíssimos o aguardavam, no início da semana, na capital.
     Para Eugênia os dias que se seguiram ao noivado na fazenda pareciam se arrastar. O inverno deu lugar à primavera. O verão ainda mostrava-se distante. Somente as cartas que recebia e escrevia atenuavam a saudade. Suas amigas Lúcia e Aurélia eram companhias indispensáveis naqueles dias de espera... As conversas com elas se entendiam por horas.
    - A saudade que sinto aperta o peito. Parece que não vejo Leopoldo há meses. Não sei o que faria sem vocês. Obrigada por estarem sempre presentes... Por me auxiliarem com os preparativos do casamento. Meus pensamentos, mesmo com tantos compromissos, se fixam em Leopoldo. Acho que não conseguiria tomar tantas decisões sem a opinião de vocês. Conforta-me também o fato de que Aurélia me substituirá na escola. Assim me sinto menos preocupada. As crianças representam muito para mim - confessou Eugênia. 
    - Ainda não acredito que você irá se casar antes de mim... Também estou com dificuldade para aceitar que, depois da cerimônia, não nos veremos com tanta frequência - observou Lúcia.
    - Aos poucos estou me acostumando com o rumo que a vida toma. O amor modificou meus planos. Sonhava viver sempre aqui. Cheguei a me imaginar, com idade avançada, lecionando na escolinha. Meu coração está apertado. O que me move é a certeza de que serei muito feliz. Leopoldo é maravilhoso. Não consigo imaginar a vida sem ele - justificou Eugênia.
    - Acredito em destino. Leopoldo e você são almas gêmeas. Percebi, desde o primeiro encontro, que trilhariam seus caminhos lado a lado. Para nós, que aqui ficaremos, restará a lembrança dos bons momentos e a certeza de que, quando possível, nos reencontraremos - destacou Lúcia.
    - Vou sentir saudade da fazenda... Da escola... De amigos e familiares... Da rotina pacata e sem sobressaltos. Estar com Leopoldo certamente compensará tudo... Fará com que me acostume às mudanças - disse, com lágrimas nos olhos, Eugênia.
    - Saiba que estaremos aqui para o que precisar. E, quando for possível, a visitaremos na capital - garantiu Aurélia.
    - Vocês parecem não ser reais. São amigas que guardarei, a vida inteira, do lado esquerdo do peito. São as irmãs que não têm o meu sangue. Os laços de amor que nos unem são bem mais fortes do que se tivéssemos nascido na mesma família - concluiu Eugênia.
    Naquela noite as amigas se despediram com lágrimas. Fazia-se forte a nostalgia pelo tempo vivido... Pelas alegrias repartidas... Em compensação a tristeza abria espaço à certeza de que a amizade que nutriam resistiria a distância e, principalmente, ao passar dos anos.
    Vida nova
    Eugênia definiu, com auxílio de Lúcia e Aurélia, os detalhes da cerimônia e da recepção de casamento. Já Leopoldo ficou responsável por encontrar um lugar para morarem.
    - Aluguei uma bela casa na Av. das Nações. Os proprietários residem na Europa. Não têm intenção de retornar ao Brasil. O corretor me informou que talvez coloquem a casa a venda. É bem localizada. Precisa de alguns reparos. Tem, entre muitos outros atrativos, quintal aconchegante e é bastante espaçosa. Papai se comprometeu a contratar pessoal para reformá-la. Gostaria de saber se a senhora ajudaria com a decoração - quis saber Leopoldo.
    - Não conheço as preferências de Eugênia. Farei o possível, tenha certeza, para deixá-la bem acolhedora - garantiu Mariana.
    - Eu sabia que podia contar com a senhora. Pessoa mais generosa não conheço. Basta encontrar um meio de tocar o seu coração - elogiou Leopoldo.
    - Sei que está dizendo isso só para me agradar. Ainda não me acostumei com a ideia de ter uma nora assim tão repentinamente. Vou me acostumar - prometeu Mariana.
    Leopoldo e Eugênia não passaram as festividades de final de ano juntos. Depois do noivado só voltaram a se encontrar em meados de janeiro. Eugênia foi à capital na companhia de seus pais Antônio e Maria. Uma confraternização havia sido organizada, por Mariana, para celebrar a conclusão da residência médica de Leopoldo.
    O encontro entre as famílias foi caloroso. Mariana, apesar de não confessar, ficou encantada com Eugênia. Osvaldo, bem menos reservado, não escondia a alegria de ter, em sua família, pessoa tão doce. Alberto e José também fizeram o possível para agradar a cunhada. Já Antônio e Maria estavam maravilhados com a família de Leopoldo.
    - Você fez uma escolha acertada minha filha. Tenho certeza de que será muito feliz ao lado de Leopoldo. Acredito, também, que a família dele lhe dará o apoio necessário neste período de transição - previu Maria.
    Leopoldo aproveitou o pouco tempo de que dispunha para, na companhia de Eugênia, passear pela capital. Levou sua amada aos lugares que gostava de frequentar. Mostrou o hospital onde fez residência médica... Também a sala, bem no centro da cidade, onde instalaria o consultório.
    - É tudo tão diferente... Um amontoado de prédios que parece não ter fim... Pessoas apressadas... Garanto-lhe, apesar de tudo, que vou me acostumar. Gostei da calmaria dos parques... Também da beleza de teatros e cinemas - observou Eugênia. 
    - Hoje vou levá-la até um dos meus lugares preferidos. Espero que compartilhe desta minha paixão - falou, com ares de expectativa, Leopoldo.
    Os dois jovens caminharam, de mãos dadas, por uma bela avenida. Árvores, de várias espécies, nas calçadas, deixavam o cenário ainda mais encantador. Pararam em frente a um casarão de pedra. A propriedade, que tinha amplo quintal, era cercada de grades. 
    - Minha querida... Esta é a nossa casa - exclamou Leopoldo apontando para a exuberante mansão.
    - Que linda!!! Lembra, em vários aspectos, a casa de meus pais - disse, com um sorriso a iluminar as faces, Eugênia. Até em termos de moradia comungava de gostos com o seu escolhido.
    - Quando o corretor me mostrou uma fotografia me apaixonei. Soube, na hora, que seria o lugar ideal para construirmos nossa vida... Para criarmos filhos - ponderou Leopoldo.
    - É maravilhosa... Perfeita para crianças crescerem livres e saudáveis. Quero uma família bem grande - como a sua. Não tive irmãos. Lúcia e Aurélia me deram sempre o necessário para que jamais me sentisse solitária. Vamos ter, no mínimo, três filhos - profetizou Eugênia.
    Casamento
    Choveu muito no dia do casamento de Leopoldo e Eugênia. Por causa disso, a recepção, idealizada para o jardim, aconteceu no salão de festas da fazenda. A chuva portanto não foi empecilho para que o 12 de fevereiro se tornasse inesquecível. Leopoldo e Eugênia, com o suave semblante da realização, circulavam entre amigos e familiares. Emanavam uma aura de felicidade que contagiava até os menos atentos. (Autora: Aline Brandt - Todos os direitos reservados/Lei dos Direitos Autorais N° 9610/98)

Nota da autora: A relação de Leopoldo e Eugênia renderá muitos outros capítulos ainda. Esta é uma história que envolve mudança de gerações. O que lhes prometo é uma leitura suave... Caracterizada por amizade, paixão, amor... E, como não poderia deixar de ser, de FINAL FELIZ.

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