Amor de chocolate (conto completo)
Agosto de 2008, Estádio Nacional Indoor,
Pequim (China)... Provas de ginástica artística... Arquibancadas
repletas...
- Eu
quero repartir este chocolate com você. Toma!
-
Nossa! Que gentileza! Por que comigo?
-
Porque você tem jeito de quem gosta de chocolate.
- O
que você pretende dizer com isso?
-
Que você parece tão doce quanto este chocolate.
Foram estas as primeiras palavras do diálogo que John e Esther tiveram naquela
manhã ensolarada, de agosto, em Pequim. Ele fazia parte da multidão de ingleses
que haviam viajado especialmente para presenciar os jogos olímpicos. Ela viera
da Alemanha.
John, doze anos de idade, era um garoto tímido. Ficou surpreso consigo mesmo ao
arriscar aproximação com a linda menina. Esther, dez anos de idade, ficou mais
surpresa ainda. Surpresa e feliz. Jamais imaginaria que um menino tão alinhado
notasse a sua presença.
Apesar do encanto, surgido no breve diálogo sobre o chocolate, os dois se
dispersaram. O estádio enorme quase que impossibilitava um reencontro de
pessoas. Naquele dia John e Esther não mais se viram. Quis o destino, porém,
que no dia seguinte, a história do chocolate tivesse continuidade.
-
Hoje quem reparte o chocolate sou eu.
John
levou um susto. Um alegre susto. A menina que não saíra do seu pensamento
estava ali lhe oferecendo um pedaço do chocolate da mesma marca que repartira
no dia anterior. "Seria uma casualidade ou ela estava fazendo aquilo de
propósito. Isso não importa. O que vale mesmo é a felicidade que sinto diante
dessa atitude." (pensou John)
-
Poxa! Eu estava mesmo pensando que já era hora de comer um chocolate. Todo dia
eu me delicio com uma barra desse chocolate. Ontem eu me conformei com a
metade.
-
Está me fazendo sentir remorso. Tirar a metade do seu chocolate está me
parecendo ser uma malvadeza.
- Eu
queria ser vítima dessa malvadeza todos os dias.
-
Além de bonito você é muito gentil.
-
Obrigado. Como você se chama?
-
Meu nome é Esther e o seu?
- Eu
me chamo John.
Essa
breve troca de palavras multiplicou o encanto, surgido entre os dois, no dia
anterior. John e Esther sentiram, nesse momento, que algo muito especial estava
acontecendo em seus corações. O costumeiro bater do peito agora tinha um aroma
de chocolate.
Mesmo visivelmente encantados um pelo outro, também nesse dia, não ficaram
muito tempo juntos. Por exigências de família novamente se dispersaram. Só que
agora havia restado uma vontade enorme de um reencontro. Tanto John quanto
Esther estavam fascinados... Ou melhor: apaixonados.
Várias metades
Os jogos olímpicos já estavam por terminar. Os dois jovens,
mesmo presentes no estádio todos os dias, não conseguiam se encontrar. Uma
semana se passou sem um reencontro. A saudade já apertava o peito. Esther,
sentada na arquibancada, vasculhava a multidão na esperança de enxergar John.
John, por sua vez, percorria o estádio inteiro a procura da amada menina. Essa
tortura tinha que ter fim...
-
Olá! Mesmo você se escondendo de mim eu me senti obrigada a guardar a sua
metade da barra de chocolate. Nesta caixinha você tem as metades que não pude
lhe dar nos dias de sua ausência. Pode pegar. A caixinha é toda sua.
Deslumbrado John constatou que, dentro da caixinha de papelão, havia sete
metades da barra de chocolate que costumava consumir. "Esther é um
encanto. Só ela para me fazer algo tão agradável. Eu me sinto no céu."
(pensou John)
-
Querida! Posso lhe chamar de querida?
-
Você pode me chamar da maneira que quiser.
-
Ótimo! Querida... Eu caminhei por este estádio incessantemente a sua procura.
Foram sete dias de verdadeiro martírio. Até pensei que ia morrer de saudade.
Deixa eu pegar algo na minha mochila.
-
Assim não está certo! Imitação não vale! - Exclamou Esther ao receber de John
uma caixinha de papelão com sete metades de barra de chocolate.
-
Não desejei imitá-la. A intenção era provar o quanto triste foi a sua ausência.
Achei que, guardando as metades do meu chocolate, o universo me permitiria
revê-la, pelo menos, mais uma vez. Não esperava gesto idêntico da sua parte.
Saiba, contudo, que as suas sete metades me fazem o sujeito mais feliz da
terra. Vejo, pela sua idêntica iniciativa, que estamos em sintonia.
-
Partimos, de Pequim, dentro de poucos dias. Vou levar estas sete metades de
chocolate que têm as suas feições. Estas sete metades de chocolate formam um
retrato seu que vou guardar para sempre dentro do meu coração. Vou lhe dar o
meu número de telefone e você me dá o seu. Não quero mais correr o risco de
perdê-lo nesta multidão. Desejo viver o máximo possível, nestes dias, em sua
companhia.
Um beijo só
A
capital da China, nos últimos dias da olimpíada, se tornou pequena para John e
Esther. Os dois jovens não mais foram ao estádio. Aproveitaram o tempo fazendo
o que de melhor lhes vinha à cabeça. Caminharam... Correram... Andaram de
trem... Assistiram filmes... Tomaram muito sorvete e, é claro, saborearam
dezenas de metades de barra de chocolate.
Foram, para John e Esther, dias impecáveis... Inesquecíveis... Só que o momento
da despedida, tão indesejado, chegou. John precisava voltar para a
Inglaterra... Esther para a Alemanha.
É
dispensável dizer que rolaram muitas lágrimas na hora deste afastamento.
Rolaram muitas lágrimas também - semanas, meses, anos... - depois. Era injusta
mas necessária aquela separação - porque tanto ele quanto ela tinham estudos e
outras tarefas a cumprir em suas pátrias.
Esther escreveu muitas vezes para John. Nas cartas contava que ainda sentia o
sabor delicioso do rápido e tímido beijo que tiveram no momento de embarque
(aeroporto de Pequim). John também escreveu muitas vezes para Esther. O tema
das cartas era sempre o mesmo: o rápido e tímido beijo que tiveram no momento
de embarque.
Os
dois jovens tinham a esperança de se encontrarem novamente nas olimpíadas de
Londres (2012). John, desta vez, não precisaria viajar. A ideia era ir ao
aeroporto de Londres receber a sua amada que certamente viria da Alemanha.
Triste decepção.
Esther, já com quatorze anos de idade, estava por demais envolvida em
atividades esportivas, o que a impedia de se afastar de Berlim. Trabalhava com
afinco para futuramente mostrar suas habilidades - ginástica artística - em
olimpíadas. John, com dezesseis anos de idade, ficou sabendo na última hora que
Esther, naquele ano, não estaria presente nos jogos olímpicos.
A
jovem Esther levou longo tempo para se conformar com a impossibilidade de ir à
olimpíada de Londres. As cartas cessaram porque, com o passar do tempo, só
faziam se agravar a lembrança da dolorosa separação. John e Esther resolveram
então não mais se corresponder. Sem cartas... Sem telefonemas... Só as boas
lembranças.
Fora das arquibancadas
"Sem a presença de Esther a olimpíada não tem graça." (concluiu John)
Mesmo em Londres os jogos olímpicos não foram presenciados por John. Ele decidiu
aproveitar o tempo para se aprofundar nos estudos que o levariam à profissão de
advogado. E assim fez...
Esther acompanhou os jogos olímpicos pela televisão. Sempre que os
cinegrafistas focavam a plateia ansiava por encontrar o belo rosto do amado
John. Não teve esse privilégio. John estava longe do estádio. Fora das
arquibancadas. Sem a presença de Esther a olimpíada não tinha graça. "É
certo que, em 2016, nos reencontraremos no Brasil... Nos jogos olímpicos do Rio
de Janeiro."
Porém: os afazeres do dia-a-dia acabaram afastando John e Esther. A distância
era dolorosa demais. Melhor então se conformar. Esquecer talvez. Os alegres
dias vividos em Pequim precisavam ser esquecidos. Eram parte de um momento que
não podia ser reeditado.
Esther conseguiu o que desejava na área esportiva. Depois de anos de estafantes
treinamentos estava classificada para os jogos olímpicos do Rio de Janeiro.
John ia muito bem na universidade. Dava largos passos rumo à advocacia. A
realização profissional dos dois era plena. O lado afetivo ficara em um plano
secundário.
Presente nas arquibancadas
Agosto de 2016, Rio de
Janeiro, Brasil. Esther desembarca no aeroporto junto com os demais membros da
delegação alemã. Já hospedada no hotel é, de repente, tomada por uma vontade enorme
de dar um telefonema para John. Desiste da ideia. Tem medo que ele lhe conte
algo que possa macular as belas lembranças do passado.
John
fica sabendo pela imprensa que Esther é uma das estrelas que a Alemanha
apresentará na olimpíada. Também hospedado em hotel brasileiro tem vontade de
lhe dar um telefonema... Um telefonema de boas vindas. Não o faz porque "o
longo tempo sem comunicação pode ter aberto espaço para a jovem encontrar um
outro amor".
John
e Esther, finalmente em uma mesma cidade, mas sem comunicação. Não falta
vontade... O que falta é coragem. Tanto ele quanto ela temem "uma possível
decepção". Esther ainda não sabe que John está no Rio de Janeiro. Tem,
contudo, a esperança de reencontrá-lo. "Ele sabe que eu estou aqui. Se vier
à olimpíada a gente se encontra." (raciocina ela)
Estádio lotado... Momento de exibição de ginástica artística... John, sentado
em uma arquibancada, quase desmaia de emoção ao ver Esther no cenário de
espetáculo. Ela está mais linda do que nunca. Faz uma exibição impecável.
Certamente será medalha de ouro. Sai da arquibancada com uma decisão...
Esther, com os compromissos esportivos do dia já cumpridos, está saindo do
camarim. No corredor, a uns vinte metros de distância, vê um homem de costas. Um
homem bem vestido. Usa uma capa de gabardine cinza claro. Parece que aquele
homem está ali a espera de algo ou de alguém. Sem outro caminho vai em sua
direção.
Já a
menos de meio metro de distância Esther nota que o homem está se virando... Se
virando para ela... Não o reconhece imediatamente. John, depois de oito anos,
tinha mudado bastante fisicamente. O coração, entretanto, continuava doce.
Sorri para a jovem atleta. Ela retribui. Ele, em seguida, retira do bolso da
capa algo que pode ser escondido com a mão fechada. Estende a mão fechada em
sua direção. Em seguida mostra o que retirara do bolso. É a metade da barra de
chocolate que consumira naquele dia.
Jogos olímpicos do Rio de Janeiro... Agosto de 2016... Para John e Esther é o
delicioso passado fazendo-se presente.
Segunda
parte
-
John! É você mesmo John! Eu devo estar sonhando. Imaginei o nosso reencontro de
milhões de maneiras - mas nada podia ser mais perfeito do que isto. Obrigada
pelo chocolate. O pessoal da comissão técnica não vai aprovar muito este seu
gesto. Para mim, entretanto, é o impossível se tornando alegre realidade.
- Querida! Vivi oito anos,
contando cada segundo, a espera deste momento. Não conseguia desenhar, na minha
mente, um quadro exato sobre o nosso reencontro. Havia, contudo, uma certeza
persistente... Eu a reencontraria para a continuidade de uma história de amor
que não podia ser interrompida. Afinal: John e Esther não se conheceram por
simples acaso.
Esther contou a John que,
naquele dia, tinha licença para fazer passeios pelo Rio de Janeiro ou ocupar o
tempo como entendesse melhor. Os dois, não muito falantes, saíram juntos do
estádio. A emoção do reencontro dispensava palavras. A comunicação se dava por
gestos de carinho e abertos sorrisos.
- Você tem uma moeda para me
dar? - Perguntou, para John, uma menina que estava próxima à portaria do
estádio.
- É claro que tenho! -
Respondeu John retirando alguns dólares do bolso para entregar à menina. Notou
que a simpática pedinte era acompanhada por um cão branco e preto.
Sob o olhar de admiração de
Esther o generoso John foi aprofundando o diálogo com a menina.
- Como você se chama? E esse
cão tem nome?
- Eu me chamo Magda e este é
o meu cão Bob.
Depois desse pequeno
episódio John e Esther combinaram que ficariam juntos, naquele dia, todo tempo
que tivessem. E ficaram. Mataram a saudade. Uma saudade suportada ao longo de
oito anos era agora compensada com algumas horas de convivência. Talvez até
algumas horas de intimidade.
Os dois jovens não jogaram
tempo fora. Viveram, naquele dia, tudo o que é possível entre duas pessoas que
se amam profundamente. Conversaram. Trocaram elogios. Revelaram sublimes
sentimentos. Repartiram carícias. E, como era inevitável, cederam ao clamor da
paixão. As poucas horas revelaram, a John e Esther, o quanto é forte a chama do
amor mesmo que nutrida à distância. Os oito anos que os separaram fisicamente
parecem ter ensinado como usufruir do máximo que o amor permite. E eles não
perderam tempo.
Particularidades
Nos dias seguintes,
face aos compromissos com a olimpíada, Esther ficou impedida de ver John.
Nem por isso John deixou de ir ao estádio. Das arquibancadas acompanhava tudo
com muita atenção. É claro que, durante as exibições de Esther, a sua atenção
era especial. Um inglês que torcia ferrenhamente por uma integrante da
delegação alemã. O amor é assim... Rompe fronteiras... Elimina preconceitos...
O amor é a força maior...
- Você tem mais uma moeda
para me dar?
- Tenho! - Respondeu John
surpreso ao ver, na arquibancada, a menina Magda e o seu cachorro Bob.
- Obrigada! Você é um cara
legal. E bonito. Onde está a sua linda mulher?
- Ela não é minha mulher. É
amiga. Observe o palco que, em instantes, ela aparecerá.
John ficou no estádio o
máximo que pôde. Mesmo assim não teve a oportunidade de se encontrar com
Esther. Ela só ficaria menos compromissada a partir do encerramento de sua
participação na olimpíada.
Só o irresistível desejo de
rever Esther motivou a vinda de John ao Brasil em agosto de 2016. Ele estava em
um momento decisivo dos seus estudos. Para galgar o grau máximo, na área da
advocacia em Londres, tinha duas alternativas. Uma delas era a aprovação em uma
excepcional prova teórica (exame de aptidão). A outra, em caso de reprovação
neste teste teórico, seria trabalhar cinco anos em um país pobre e
subdesenvolvido fora do continente europeu.
John reencontrara Esther. Um
dos seus conflitos estava dissolvido. Restava, agora, a dúvida sobre as suas
alternativas profissionais. Ele queria a aprovação no exame teórico para propor
a Esther, o mais rapidamente possível, uma união definitiva. Tinha medo até de
pensar na hipótese de viver mais cinco anos longe da sua amada. Estas
preocupações ele ainda não havia revelado a Esther. Não queria macular os sagrados
momentos que estavam vivendo.
Mais afinidade
Encerrados os compromissos, nos jogos olímpicos do Rio de
Janeiro, Esther estava livre para se dedicar a John. Estava livre para viver o
mais intensamente possível os prazeres daquele reencontro. Fez questão de
apresentar o belo jovem aos pais Johann e Olga que acompanhavam a comitiva
alemã. As simpatias foram recíprocas. Tanto John quanto os pais de Esther se
mostraram contentes. Nasceu, de imediato, uma forte afinidade entre os
recém-conhecidos.
John sentiu-se no dever de
convidar Esther a conhecer sua mãe Katy na Inglaterra. A viagem foi combinada e
tudo transcorreu perfeitamente. A senhora Katy disse ser Esther "uma
menina adorável". Três palavras só... Mas três palavras que fizeram Esther
amar, além de John, a sua simpática e carinhosa mãe.
Esther, em Londres, também
foi apresentada a Joseph, irmão gêmeo de John. Como tudo na Inglaterra esse
momento também a encantou. Sentiu, porém, que Joseph era muito diferente de
John. Não só fisicamente mas em se tratando de personalidade. Parecia ser
ambicioso demais enquanto John entregava os seus anseios à decisão positiva do
tempo.
John e Joseph estavam, em
termos de alternativa estudo/profissional, numa situação idêntica. Joseph
também iria enfrentar um exame teórico ou cinco anos em um país pobre e
subdesenvolvido. Quem teria o melhor resultado (aprovação no exame teórico)?
Esther sentia uma enorme aflição só em pensar que seu amado poderia ficar longe
por mais cinco anos.
De volta para a Alemanha
Esther passou a sentir dúvidas em relação ao seu futuro afetivo. Não admitia a
ideia de mais um longo afastamento de John. Não mais queria ter dúvidas.
Entendia que já era tempo de viver só certezas. E foi assim que convidou John
para uma semana de turismo em um país neutro (nem Inglaterra e nem Alemanha).
Escolheram, de comum acordo, o Brasil... O Rio de Janeiro.
Semanas depois do
encerramento dos jogos olímpicos estavam John e Esther novamente no Rio de
Janeiro. Desta vez para decidirem seus destinos. John amava Esther... Esther
amava John... Por que não viverem esse amor na mais plena intensidade? Cinco
anos de afastamento - na opinião de Esther - era algo insuportável. Mas esta
era uma alternativa estudo/profissional de John.
Decisiva mensagem
Joseph, irmão de John, se mostrava um homem obstinado...
Estudioso... Dava a impressão de que nenhum esforço media para atingir seus
propósitos. E a vaga na alta advocacia inglesa estava sendo disputada pelos
dois irmãos. Um deles teria que viver cinco anos em um país pobre e
subdesenvolvido. Seria John?
Esta incerteza fez Esther
atravessar algumas noites sem dormir. Viver longe de John oito anos tinha sido
uma experiência traumática. Mais cinco anos? "Eu não suportaria" -
escreveu a jovem a John em uma folha de caderno. "Fomos feitos um para o
outro. Por que protelar a felicidade? Eu deixaria a minha carreira de atleta
definitivamente para viver este amor. Não entendo como você pode ainda ter
dúvida."
- Recebi a sua carta e digo
que fiquei indeciso. Eu a amo todo o possível. Contudo: a minha carreira
profissional vem sendo construída desde que nasci. Há muita gente esperando a
minha vitória. Eu a amo todo o possível. Mas não posso frustrar nem a mim e nem
aqueles que torcem por meu êxito estudo/profissional.
Este é o conteúdo do
telefonema que John deu logo que recebeu a carta da amada Esther. Ela ficou sem
respostas. Não podia negar as razões tão consistentes do estudioso jovem.
Optou, então, por ficar em silêncio. John decidiria, por si só, o caminho a
seguir. Tinha esse direito. O seu profundo amor não era o suficiente para se
dar ao direito de barrar uma brilhante carreira profissional.
O silêncio de Esther, depois
da conversa telefônica, fez John ficar em pânico. Tanto que, em seguida, ocupou
diversas folhas para expressar o seu amor e revelar que, se necessário,
renunciaria a tudo para viver ao seu lado. Nessa correspondência colocou que
viver a felicidade que lhes estava sendo permitida era só o que desejava.
Enfim: naquelas folhas de papel estavam palavras que tudo decidiriam... Que
uniriam física e afetivamente os dois amantes para sempre.
Participação de Bob
John foi à Alemanha disposto a entregar esta mensagem
pessoalmente a sua amada Esther. Viajou. Desembarcou no aeroporto de Berlim.
Andou pelas ruas de Berlim. Só lhe faltou coragem de ir ao encontro de Esther.
"Ela tinha razão ao duvidar dos seus sentimentos. Como uma profissão pode
ser colocada acima de um grande amor? Ela tinha razão. Ela tem razão."
Face a esse raciocínio John
decidiu retornar à Inglaterra sem dar à sua amada conhecimento do que havia
escrito - escreveu porque tinha dúvida se pessoalmente conseguiria fazer tão
elevada confissão. Jogou a longa carta em uma lixeira. Tomou um avião e,
resignadamente, voltou para a sua Londres.
- Eu tenho algo muito
importante para você - disse Magda logo que Esther abriu a porta da sua casa
para recebê-la.
- Não! Eu não quero entrar.
Eu só quero fazer o que o Bob me pediu.
- Bob! Pode vir...
Esther já havia imaginado
como poderia ser a inteira felicidade. Teve, entretanto, a certeza de que a
felicidade pode ser sempre maior do que se imagina. Pela boca de Bob lhe era
ofertado, naquele momento, um acumulado de papel. Ao abrir o envelope tomou
ciência do que John havia escrito sem coragem suficiente para a revelação
pessoal.
O cão Bob, da menina Magda,
havia recolhido de um recipiente de lixo algo jogado fora pela insegurança -
mas que, na prática e na realidade, era um tesouro para os seus protagonistas.
Observação da autora: Pela experiência que tenho John e Esther formam o casal perfeito que todos nós imaginamos. Os dois jovens tiveram a sabedoria de superar dúvidas e apostar na confiança. Amar é confiar.
Terceira
parte
A mensagem retirada do lixo pelo cão Bob teve um efeito explosivo
em Esther. Dissiparam-se as dúvidas. Um encontro com John, para eliminar as
arestas possivelmente existentes, era uma necessidade urgente. Ela tratou de
pegar um avião e rumar a Londres para, olho no olho, combinar o futuro com
John.
Na capital inglesa encontrou
John um pouco abatido. Não conseguira a almejada aprovação no exame teórico de
direito. Se quisesse seguir a carreira teria que se submeter a cinco anos de
prática profissional em um país pobre e subdesenvolvido muito distante do
continente europeu.
Joseph, irmão gêmeo de John,
é quem conseguira a vaga tão almejada durante os longos anos de dedicação aos
estudos. John estava agora entre a faca e a espada. Se ficasse em Londres
eliminaria um sonho acalentado desde os primeiros anos de vida. Se partisse
para o destino que lhe apontavam perderia Esther definitivamente.
Estava equivocado... Não
perderia Esther. Ao embarcar para Londres a jovem atleta alemã levava uma
certeza... "John é o meu destino... John é a minha realização... O que ele
decidir, neste nosso reencontro, é o que está destinado para mim."
John, que já imaginava ter
irremediavelmente perdido a amada Esther, mostrou-se estupefato ao vê-la, de
repente, a sua frente. "Meu amor... Me diga que não estou sonhando... Me
diga que você está aqui... Me diga que veio aplacar a minha tristeza."
Esther, feliz, ressuscitou
as esperanças do seu amado... "John! Eu estou aqui para lhe dizer que,
depois de todas as avaliações possíveis, conclui que você é o meu caminho. O
meu companheiro. A pessoa com quem devo dividir os meus sonhos e as minhas
realizações. A pessoa que deve dividir comigo os seus sonhos e as suas
realizações."
Casamento e ousadia
O casamento de John e Esther, em Londres, foi um
acontecimento gratificante. Sabedores da imediata partida do casal, para país
distante, as pessoas não pouparam manifestações de amizade e carinho. Estavam,
então, os dois jovens prontos para o desafio que tinham pela frente.
Um cenário tórrido. Areia,
sol, gente sofrida... Miséria... Falta de alimento e produtos outros essenciais
para a manutenção da vida com um mínimo de dignidade. John e Esther haviam
chegado ao destino que lhes tinham indicado. A vontade, de imediato, era
desistir de tudo e retornar à Inglaterra, mesmo que a carreira sonhada não
pudesse ser seguida. A obstinação dos dois jovens, porém, prevaleceu.
Em menos de uma semana o
casal inglês, admirado e cortejado pela população anfitriã, ganhou o nível de
estímulo que precisava para enfrentar aquele desafio. A população do país pobre
e subdesenvolvido tratava John e Esther com reverência. Isto fez com que os
dois, no passar do tempo, se sentissem compensados por aquela missão que, em princípio,
tinha sido encarada como punição.
John e Esther, cercados do
carinho da comunidade que os acolhera, passaram a sentir que toda felicidade
estava ali concretizada. Em termos afetivos nada mais tinham que sonhar. Só
precisavam fazer com que a população do pequeno país também experimentasse,
pelo menos um pouco, da felicidade que tinham o privilégio de vivenciar.
Um novo motivo
Envolvidos com a necessidade de assistência da população do
pequeno país John e Esther chegaram a considerar secundários os seus próprios
sonhos/interesses. Tanto que Esther só se deu ao luxo de raciocinar sobre o
papel de mãe quando estava prestes a ter o seu primeiro filho.
James nasceu um ano e meio
depois da chegada de John e Esther ao miserável país. Imagine a felicidade...
Um menino, de olhos azuis vibrantes, chegava como uma dádiva dos céus para
compensar todos os sacrifícios. Estava ali a nova fonte de esperança. James era
o complemento da relação que surgira nas arquibancadas de um estádio nas
olimpíadas de Pequim.
John, estudioso e
profissional recatado, conquistou as simpatias das autoridades do país onde
estava residindo. As autoridades sentiam um visível prazer de compensar todo o
esforço que constatavam da parte do dedicado profissional da advocacia. Isto
fez com que a vida do casal John/Esther fosse suave mesmo em meio a uma miséria
inadmissível.
Foram imensos os esforços de
John na missão que lhes impuseram. Nenhuma falha, contudo, ele ousou cometer.
Muito pelo contrário... Se esperavam nota quatro ele apresentava desempenho
para dez. Foi assim que galgou as posições impostas pelos coordenadores dos
seus estudos. Foi assim, também, que conquistou todas as condecorações
possíveis, a um profissional do direito, no país que lhe significava um
teste.
Grau máximo
Jamais um inglês estudioso do direito mereceu tantos
méritos quanto John. No país pobre e subdesenvolvido, onde cumpriu as últimas
etapas de sua formação, foi merecedor das mais elevadas condecorações.
Parlamentos... Assembleias... Governos... Os mais elevados órgãos do pequeno
país consubstanciaram as ações do casal John/Esther com as medalhas máximas já
instituídas.
O ainda jovem casal podia se
considerar realizado. Sentia, contudo, que a missão que lhe haviam
confiado ainda não estava plenamente cumprida. Foi aí que John e Esther
resolveram colocar na família duas pessoas a mais. James, com dois anos de
idade, ganhou assim dois irmãos: Akia (três anos) e Abena (dois anos).
Os dois novos membros da
família estavam em situação de abandono total depois da morte dos pais pelo
implacável vírus Ebola.
John e Esther não podiam admitir que, premiados por tanta felicidade, deixassem
alguém a mercê de um destino que se mostrava muito cruel. Face a este
raciocínio Akia e Abena se tornaram irmãos de James e, no regresso à
Inglaterra, experimentaram o que de bom é possível viver em uma pátria livre do
ocidente.
Esther, uma renomada atleta
alemã, deixou no pequeno país imagens fotográficas e cinematográficas de
apresentações que fazia, de forma espontânea, para aliviar a tristeza daquela
população. Sentia que a sua ginástica artística fazia os corações baterem mais
forte... Promovia, entre as jovens da plateia, o acalento da esperança de um
dia fazer algo igual.
A jovem atleta alemã deixou
saudade e sementes muito frutíferas. Esperava que, alguém do governo ou do
setor educacional, acatasse a mensagem que, com sua abnegação, procurava
transmitir. Medalha - ouro, prata, bronze... - é possível. O início da busca
dessas conquistas só se dá com justiça. Justiça é indispensável.
Reencontro com a pátria
Todo sacrifício de John/Esther foi compensado no retorno a
Londres. As condecorações merecidas ao longo do seu teste, no país pobre e
subdesenvolvido, longe do continente europeu, renderam a John o mais elevado
grau da advocacia inglesa. Uma posição, digamos, cem vezes maior do que a que
obteria se tivesse conseguido a aprovação nos exames teóricos.
John estava, finalmente, com
a sua carreira profissional coroada do mais pleno êxito. Esther, ao lado do seu
amado John, nada tinha a desejar. Jamais perderia o gosto pela ginástica
artística. Essa lacuna, entretanto, ela preenchia com lições a possíveis
seguidoras, a partir da sua mudança para Londres. A capital inglesa tinha
conquistado uma preciosa orientadora para quem quisesse sonhar com o brilho, um
dia, em uma das famosas olimpíadas internacionais.
Tudo perfeito... Tudo
consolidado... Tudo superado... John e Esther embalavam-se no pátio da bela
casa em Londres enquanto observaram os filhos em brincadeiras inocentes e
descontraídas. É incrível como James tinha afinidade com Akia e Abena. A vida
podia parar naquele instante. Nada mais a se almejar. Era tudo perfeito.
Esther dá um beijo no rosto
de John e diz, baixinho, ao seu ouvido: "Veja que bonitas as nossas
crianças. Se puxarem ao pai vão ser transformadoras. Um dia Akia e Abena
poderão retornar à sua pátria para lutar pelos avanços positivos que ela
merece."
John, sem um minuto de
relutância, coloca: "Se eles voltarem iremos juntos." (Autora: Aline Brandt - Todos os direitos reservados/Lei dos Direitos Autorais N° 9610/98)




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