Amor de chocolate

    Agosto de 2008, Estádio Nacional Indoor, Pequim (China)... Provas de ginástica artística... Arquibancadas repletas... 
    - Eu quero repartir este chocolate com você. Toma! 
    - Nossa! Que gentileza! Por que comigo? 
    - Porque você tem jeito de quem gosta de chocolate. 
    - O que você pretende dizer com isso?
    - Que você parece tão doce quanto este chocolate.
    Foram estas as primeiras palavras do diálogo que John e Esther tiveram naquela manhã ensolarada, de agosto, em Pequim. Ele fazia parte da multidão de ingleses que haviam viajado especialmente para presenciar os jogos olímpicos. Ela viera da Alemanha. 
    John, doze anos de idade, era um garoto tímido. Ficou surpreso consigo mesmo ao arriscar aproximação com a linda menina. Esther, dez anos de idade, ficou mais surpresa ainda. Surpresa e feliz. Jamais imaginaria que um menino tão alinhado notasse a sua presença. 
    Apesar do encanto, surgido no breve diálogo sobre o chocolate, os dois se dispersaram. O estádio enorme quase que impossibilitava um reencontro de pessoas. Naquele dia John e Esther não mais se viram. Quis o destino, porém, que no dia seguinte, a história do chocolate tivesse continuidade.
    - Hoje quem reparte o chocolate sou eu.
    John levou um susto. Um alegre susto. A menina que não saíra do seu pensamento estava ali lhe oferecendo um pedaço do chocolate da mesma marca que repartira no dia anterior. "Seria uma casualidade ou ela estava fazendo aquilo de propósito. Isso não importa. O que vale mesmo é a felicidade que sinto diante dessa atitude." (pensou John)
    - Poxa! Eu estava mesmo pensando que já era hora de comer um chocolate. Todo dia eu me delicio com uma barra desse chocolate. Ontem eu me conformei com a metade.
    - Está me fazendo sentir remorso. Tirar a metade do seu chocolate está me parecendo ser uma malvadeza. 
    - Eu queria ser vítima dessa malvadeza todos os dias. 
    - Além de bonito você é muito gentil.
    - Obrigado. Como você se chama?
    - Meu nome é Esther e o seu?
    - Eu me chamo John.
    Essa breve troca de palavras multiplicou o encanto, surgido entre os dois, no dia anterior. John e Esther sentiram, nesse momento, que algo muito especial estava acontecendo em seus corações. O costumeiro bater do peito agora tinha um aroma de chocolate. 
    Mesmo visivelmente encantados um pelo outro, também nesse dia, não ficaram muito tempo juntos. Por exigências de família novamente se dispersaram. Só que agora havia restado uma vontade enorme de um reencontro. Tanto John quanto Esther estavam fascinados... Ou melhor: apaixonados. 
    Várias metades
    Os jogos olímpicos já estavam por terminar. Os dois jovens, mesmo presentes no estádio todos os dias, não conseguiam se encontrar. Uma semana se passou sem um reencontro. A saudade já apertava o peito. Esther, sentada na arquibancada, vasculhava a multidão na esperança de enxergar John. John, por sua vez, percorria o estádio inteiro a procura da amada menina. Essa tortura tinha que ter fim... 
    - Olá! Mesmo você se escondendo de mim eu me senti obrigada a guardar a sua metade da barra de chocolate. Nesta caixinha você tem as metades que não pude lhe dar nos dias de sua ausência. Pode pegar. A caixinha é toda sua.
    Deslumbrado John constatou que, dentro da caixinha de papelão, havia sete metades da barra de chocolate que costumava consumir. "Esther é um encanto. Só ela para me fazer algo tão agradável. Eu me sinto no céu." (pensou John)
    - Querida! Posso lhe chamar de querida?
    - Você pode me chamar da maneira que quiser.
    - Ótimo! Querida... Eu caminhei por este estádio incessantemente a sua procura. Foram sete dias de verdadeiro martírio. Até pensei que ia morrer de saudade. Deixa eu pegar algo na minha mochila. 
    - Assim não está certo! Imitação não vale! - Exclamou Esther ao receber de John uma caixinha de papelão com sete metades de barra de chocolate.
    - Não desejei imitá-la. A intenção era provar o quanto triste foi a sua ausência. Achei que, guardando as metades do meu chocolate, o universo me permitiria revê-la, pelo menos, mais uma vez. Não esperava gesto idêntico da sua parte. Saiba, contudo, que as suas sete metades me fazem o sujeito mais feliz da terra. Vejo, pela sua idêntica iniciativa, que estamos em sintonia.
    - Partimos, de Pequim, dentro de poucos dias. Vou levar estas sete metades de chocolate que têm as suas feições. Estas sete metades de chocolate formam um retrato seu que vou guardar para sempre dentro do meu coração. Vou lhe dar o meu número de telefone e você me dá o seu. Não quero mais correr o risco de perdê-lo nesta multidão. Desejo viver o máximo possível, nestes dias, em sua companhia. 
    Um beijo só
    A capital da China, nos últimos dias da olimpíada, se tornou pequena para John e Esther. Os dois jovens não mais foram ao estádio. Aproveitaram o tempo fazendo o que de melhor lhes vinha à cabeça. Caminharam... Correram... Andaram de trem... Assistiram filmes... Tomaram muito sorvete e, é claro, saborearam dezenas de metades de barra de chocolate. 
    Foram, para John e Esther, dias impecáveis... Inesquecíveis... Só que o momento da despedida, tão indesejado, chegou. John precisava voltar para a Inglaterra... Esther para a Alemanha.
    É dispensável dizer que rolaram muitas lágrimas na hora deste afastamento. Rolaram muitas lágrimas também - semanas, meses, anos... - depois. Era injusta mas necessária aquela separação - porque tanto ele quanto ela tinham estudos e outras tarefas a cumprir em suas pátrias.
    Esther escreveu muitas vezes para John. Nas cartas contava que ainda sentia o sabor delicioso do rápido e tímido beijo que tiveram no momento de embarque (aeroporto de Pequim). John também escreveu muitas vezes para Esther. O tema das cartas era sempre o mesmo: o rápido e tímido beijo que tiveram no momento de embarque. 
    Os dois jovens tinham a esperança de se encontrarem novamente nas olimpíadas de Londres (2012). John, desta vez, não precisaria viajar. A ideia era ir ao aeroporto de Londres receber a sua amada que certamente viria da Alemanha. Triste decepção. 
    Esther, já com quatorze anos de idade, estava por demais envolvida em atividades esportivas, o que a impedia de se afastar de Berlim. Trabalhava com afinco para futuramente mostrar suas habilidades - ginástica artística - em olimpíadas. John, com dezesseis anos de idade, ficou sabendo na última hora que Esther, naquele ano, não estaria presente nos jogos olímpicos. 
    A jovem Esther levou longo tempo para se conformar com a impossibilidade de ir à olimpíada de Londres. As cartas cessaram porque, com o passar do tempo, só faziam se agravar a lembrança da dolorosa separação. John e Esther resolveram então não mais se corresponder. Sem cartas... Sem telefonemas... Só as boas lembranças.
    Fora das arquibancadas
    "Sem a presença de Esther a olimpíada não tem graça." (concluiu John) Mesmo em Londres os jogos olímpicos não foram presenciados por John. Ele decidiu aproveitar o tempo para se aprofundar nos estudos que o levariam à profissão de advogado. E assim fez... 
    Esther acompanhou os jogos olímpicos pela televisão. Sempre que os cinegrafistas focavam a plateia ansiava por encontrar o belo rosto do amado John. Não teve esse privilégio. John estava longe do estádio. Fora das arquibancadas. Sem a presença de Esther a olimpíada não tinha graça. "É certo que, em 2016, nos reencontraremos no Brasil... Nos jogos olímpicos do Rio de Janeiro."
    Porém: os afazeres do dia-a-dia acabaram afastando John e Esther. A distância era dolorosa demais. Melhor então se conformar. Esquecer talvez. Os alegres dias vividos em Pequim precisavam ser esquecidos. Eram parte de um momento que não podia ser reeditado.
    Esther conseguiu o que desejava na área esportiva. Depois de anos de estafantes treinamentos estava classificada para os jogos olímpicos do Rio de Janeiro. John ia muito bem na universidade. Dava largos passos rumo à advocacia. A realização profissional dos dois era plena. O lado afetivo ficara em um plano secundário. 
    Presente nas arquibancadas
    Agosto de 2016, Rio de Janeiro, Brasil. Esther desembarca no aeroporto junto com os demais membros da delegação alemã. Já hospedada no hotel é, de repente, tomada por uma vontade enorme de dar um telefonema para John. Desiste da ideia. Tem medo que ele lhe conte algo que possa macular as belas lembranças do passado. 
    John fica sabendo pela imprensa que Esther é uma das estrelas que a Alemanha apresentará na olimpíada. Também hospedado em hotel brasileiro tem vontade de lhe dar um telefonema... Um telefonema de boas vindas. Não o faz porque "o longo tempo sem comunicação pode ter aberto espaço para a jovem encontrar um outro amor".   
    John e Esther, finalmente em uma mesma cidade, mas sem comunicação. Não falta vontade... O que falta é coragem. Tanto ele quanto ela temem "uma possível decepção". Esther ainda não sabe que John está no Rio de Janeiro. Tem, contudo, a esperança de reencontrá-lo. "Ele sabe que eu estou aqui. Se vier à olimpíada a gente se encontra." (raciocina ela)
    Estádio lotado... Momento de exibição de ginástica artística... John, sentado em uma arquibancada, quase desmaia de emoção ao ver Esther no cenário de espetáculo. Ela está mais linda do que nunca. Faz uma exibição impecável. Certamente será medalha de ouro. Sai da arquibancada com uma decisão... 
    Esther, com os compromissos esportivos do dia já cumpridos, está saindo do camarim. No corredor, a uns vinte metros de distância, vê um homem de costas. Um homem bem vestido. Usa uma capa de gabardine cinza claro. Parece que aquele homem está ali a espera de algo ou de alguém. Sem outro caminho vai em sua direção. 
    Já a menos de meio metro de distância Esther nota que o homem está se virando... Se virando para ela... Não o reconhece imediatamente. John, depois de oito anos, tinha mudado bastante fisicamente. O coração, entretanto, continuava doce. Sorri para a jovem atleta. Ela retribui. Ele, em seguida, retira do bolso da capa algo que pode ser escondido com a mão fechada. Estende a mão fechada em sua direção. Em seguida mostra o que retirara do bolso. É a metade da barra de chocolate que consumira naquele dia.
    Jogos olímpicos do Rio de Janeiro... Agosto de 2016... Para John e Esther é o delicioso passado  fazendo-se presente.  (Observação da autora: Este conto tem três capítulos - Autora: Aline Brandt - Todos os direitos reservados/Lei dos Direitos Autorais N° 9610/98)

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