O conto que corre atrás de mim

   Há, nos dias de hoje, a difusão da crença de que somos resultado de um conjunto de conspirações do universo. Ainda não tive vontade de raciocinar mais profundamente sobre isso. Preciso, no entanto, confessar que, em se tratando de uma obra do escritor gaúcho Moacyr Scliar, acho que houve comigo uma dessas conspirações de que os profissionais de motivação hoje tanto falam.
    Veja bem... Nos meus doze/treze anos de idade recebi da professora de português a tarefa de copiar, à mão, dez contos/crônicas de diferentes escritores. É claro que, sempre afeiçoada a qualquer tipo de escrito, cumpri essa tarefa com muito prazer.
    O curioso é que de todo material copiado um conto, em especial, me causou real encantamento. "História porto-alegrense", de Moacyr Scliar, copiado na Biblioteca Pública Guilherme Schultz Filho (em Carazinho/RS), me inspirou para anos de raciocínio. Fiquei encantada com a habilidade do escritor e, também, com a essência do seu enfoque. 
    Onde estaria a conspiração do universo de que falei anteriormente? Pois é...  "História porto-alegrense" ainda instigava meus pensamentos, doze anos depois, quando meu pai - Celito Brandt - ao chegar de uma de suas longas viagens, como motorista de transporte  coletivo, me entregou um livro que havia encontrado em um banco do ônibus que dirigia. Alguém havia esquecido "Mistérios de Porto Alegre" para que eu tivesse a chance de conhecer um pouco mais da literatura de Moacyr Scliar. 
    Daí a conspiração. Peguei o livro das mãos do meu pai e fui avidamente em busca do conto que doze anos atrás havia copiado na biblioteca. Estava ali...  Na página 95. Não posso dizer quantas vezes li o texto a partir daquele momento. Aliás... Continuo lendo... Estou lendo agora para recomendar que você não renuncie a esse prazer. Ali na Biblioteca Pública Guilherme Schultz Filho você certamente vai encontrar "História porto-alegrense" em diferentes livros de Moacyr Scliar.
    É impressionante a técnica desse autor. Seus textos são suaves para leitura mas extremamente fortes em termos de conteúdo. Moacyr Scliar é um autor que diz sem dizer. Você só toma conhecimento do que está lendo quando chega à última linha... Ao ponto final. "História porto-alegrense" é um texto curto (menos de dez páginas) que nada impõe. Cada leitor pode entendê-lo de uma forma diferente. Eu entendi de um jeito muito especial. Por isso o recomendo.
     "Não penses que estou reclamando nem te ofendendo. Não, estou só contando a verdade e contar a verdade não pode fazer mal a ninguém. E a verdade é que a porto-alegrense sou eu; o orgulhoso és tu, mas a porto-alegrense sou eu. Eu já morava nesta cidade quando tu apareceste, o altivo filho de um fazendeiro da fronteira. Faz tempo isto, não é? Petrópolis nem existia, Três Figueiras era mato. Os bondes eram poucos... Te lembras dos bondes? Pois é. Os bondes. Onde andarão, os bondes? (...)
    Pela primeira vez pensei em não te obedecer. É que eu gosto demais desta cidade, desta Porto Alegre que só avisto de longe e que mal reconheço. Me lembro que gritei, não, não vou abandonar minha cidade. E aí resolvi te escrever, lembrando toda a nossa história e te pedindo para voltares atrás em tua ordem.
    Espero que recebas esta carta. É que estou escrevendo já no meio do Guaíba - e é a primeira vez que mando uma carta numa garrafa jogada às águas. Mas espero que a recebas e que ela te encontre gozando saúde junto aos teus, nessa linda cidade de Porto Alegre." (Scliar, Moacir. Mistérios de Porto Alegre. Porto Alegre: Artes e Ofícios, 2004. Pág. 95 e 101) (Autora: Aline Brandt - Todos os direitos reservados/Lei dos Direitos Autorais N° 9610/98)
   

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