Para contemplar os lírios do campo

    A humanidade tem, ao seu dispor, todas as facilidades que a tecnologia pode oferecer... Tudo que o dinheiro pode comprar. Mas falta amor... Respeito... Compreensão... Gentileza. 
    Os valores estão se perdendo. Basta circular pelas ruas e avenidas, de carro ou a pé, para constatar que poucos são os que se preocupam com o bem-estar alheio. No trânsito é um "salve-se quem puder"... Até parece que o mundo está prestes a terminar (há uma pressa quase sempre injustificável). A paciência já é algo considerado raro.
    As demonstrações de carinho, sem esperar algo em troca, estão cada dia mais escassas. Falta tempo para contemplar as pequenas coisas da vida... Para observar as flores, as cores, os sorrisos e os sentimentos de quem passa... Para sentir os aromas e os sabores... Para conversas agradáveis e momentos de contemplação.  
    Corre-se atrás de realização profissional... De riquezas... Esquece-se de dar atenção aos filhos, aos pais, aos irmãos, aos amigos e, inclusive (por que não?), aos desconhecidos. Poder e dinheiro parecem estar se tornando os mais importantes ingredientes da "felicidade".
    Esta busca desenfreada de riqueza/poder me faz lembrar de uma obra de Erico Verissimo: "Olhai os Lírios do Campo". No livro Erico Verissimo conta a história de Eugênio Pontes, rapaz de origem humilde, que com a ajuda incondicional dos pais consegue o tão sonhado diploma de médico.
    O livro, dividido em dois capítulos, tem uma abordagem sensível e comovente... No primeiro capítulo Eugênio Pontes aparece como um homem incapaz de perceber que a felicidade está nas pequenas coisas... As convenções sociais e a vontade de ser rico (para que as privações da juventude fiquem no passado) fazem com que deixe de lado amigos, família e o amor de sua vida (Olívia). Casa-se por interesse com uma jovem rica e abandona seu lado humanitário. Faz de tudo para ser aceito pela alta sociedade.
    No segundo capítulo Eugênio Pontes se vê sozinho e com uma filha para criar (Anamaria/fruto de seu relacionamento com Olívia). Deixa de lado o "ter" e pensa em "ser"... Ser pai... Ser caridoso... Ser consciente... Ser o sujeito de suas próprias decisões. Volta a ter interesse pelos ideais humanitários (abandonados para se adaptar às expectativas da família de sua mulher)... Eugênio Pontes enxerga que é possível sim ser feliz sem pensar somente em riqueza/poder. Parece ter se conscientizado do que dita a sabedoria de renomados pensadores... 
    Esta história leva ao raciocínio de que riqueza e poder podem ser apenas minúsculos ingredientes da verdadeira felicidade. O importante é que: Tenhamos mais tempo para contemplar as pequenas coisas da vida... Que possamos sentir o cheiro das flores... Que possamos ouvir o canto dos pássaros... Que tiremos um tempo para assistir o nascer/pôr do sol... Que a vida nos possibilite mais conversas agradáveis... Que encontremos, sem a necessidade de provações, a felicidade que tanto procuramos. Porque a vida passa... E, "quando se vê, já terminou o ano... Quando se vê, perdemos o amor da nossa vida... Quando se vê passaram 50 anos... Agora é tarde demais para ser reprovado". (Mário Quintana)
    Trecho de Olhai os Lírios do Campo: "(...) Passam pelo parque. Os bancos estão cheios de namorados. O lago brilha impreciso por entre as árvores. A lua se reflete tremulamente na água. Eugênio, num relâmpago, lembra-se duma noite - há tão poucos dias! - em que passeou por entre estas mesmas árvores com Olívia e Anamaria. A revelação da existência da filha lhe dera uma sensação indescritível, semelhante à que ele tivera aos treze anos ao descobrir a primeira paixão. Depois daquele encontro com Olívia, sua vida mudara por completo. De repente ele achava um motivo para ter confiança no mundo e em si mesmo. Tinha uma filha. Uma filha! Era humano. Não estava perdido. 
    (...) "Mas ninguém está perdido" - falou Olívia em seu espírito. Sim, era doloroso: ele havia esquecido por completo o som da voz dela. No entanto sabia que Olívia estava viva, sentia-se agora invadido pela estranha impressão de que ela lhe marcara uma entrevista à sombra das árvores do parque. Conversariam de si mesmos e dos outros, enquanto Anamaria atirasse migalhas para os marrecos no lago..." (Verissimo, Erico. Olhai os Lírios do Campo. São Paulo: Editora Globo, 1987. Pág. 167/168 e 322)

(Autora: Aline Brandt - Todos os direitos reservados/Lei dos Direitos Autorais N° 9610/98)
    
    

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