"Eu passarinho..."

    Quando o poeta Mario Quintana morreu, em 5 de maio de 1994, eu tinha treze anos... Até então eu não conhecia muito bem a sua obra... Claro que professores já haviam lido, em sala de aula, algumas de suas poesias. Mas nunca de forma tão sublime quanto mereciam ser declamadas. Assim, para mim e para muitos outros estudantes, Mario Quintana era só mais um poeta entre tantos outros.
    A morte de Mario Quintana foi amplamente abordada em telejornais e jornais aqui no Rio Grande do Sul... Na escola os professores, para homenagear o poeta, sugeriram que os alunos "decorassem" alguma de suas obras para declamar em sala de aula. Com esta missão fui para a biblioteca. Além de sua obra também quis saber quem tinha sido e como tinha vivido, de fato, o poeta.
    E comecei a me questionar... Por que, antes de morrer, a mídia não lhe deu atenção? Por que não mereceu estar entre os "Imortais" da Academia Brasileira de Letras (foi recusado em três ocasiões)? Por que acabou morando sozinho, no final de sua vida, em um quartinho de hotel?
    Acreditava, naquela época, que pessoas que contribuíam para o crescimento cultural de uma nação não podiam viver esquecidas. Eram tantos os "por quês"... Concentrei-me, entretanto, na tarefa de encontrar uma poesia... Escolhi "A Rua dos Cataventos VII" - para Dyonélio Machado - que, até hoje, sei declamar sem qualquer dificuldade.
    Anos mais tarde li que Mario Quintana, que não casou nem teve filhos, viveu seus últimos anos de favor em quarto do Hotel Royal (em Porto Alegre/de propriedade do ex-jogador Paulo Roberto Falcão). Para uma amiga, que teria achado o quarto pequeno, Mario Quintana falou: "Eu moro em mim mesmo. Não faz mal que o quarto seja pequeno. É bom. Assim tenho menos lugares para perder minhas coisas."
    Acho que o mundo não soube compreender Mario Quintana. Mario Quintana, contudo, não se importava. Tanto que escreveu, certa vez, "Eles passarão... Eu passarinho!" Penso que Mario Quintana foi como um passarinho. De pensamento livre... Sem amarras... Que deixava de lado as regras e as convenções sociais. Era quem era. E ponto. Não mudou para agradar os outros. Viveu e morreu como um passarinho: livre. (Autora: Aline Brandt - Todos os direitos reservados/Lei dos Direitos Autorais N° 9610/98)

A Rua dos Cataventos - VII 
    Recordo ainda... E nada mais me importa...
    Aqueles dias de uma luz tão mansa
    Que me deixavam, sempre, de lembrança,
    Algum brinquedo novo à minha porta...

    Mas veio um vento de Desesperança
    Soprando cinzas pela noite morta!
    E eu pendurei na galharia torta
    Todos os meus brinquedos de criança...

    Estrada afora após segui... Mas, ai,
    Embora idade e senso eu aparente,
    Não vos iluda o velho que aqui vai:

    Eu quero os meus brinquedos novamente!
    Sou um pobre menino... acreditai...
    Que envelheceu, um dia, de repente!...
    (Quintana, Mario. Antologia Poética. Porto Alegre: L&PM, 1997. Pág. 13)

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