Para a professorinha - com carinho

    Cursei os anos finais do ensino fundamental na Escola Estadual Carlinda de Britto (Carazinho/RS). Quando estava na sexta ou sétima série havia perdido um pouco do interesse pelos livros... Muitos dos professores que tive naquela época insistiam em fazer os alunos lerem os chamados "clássicos" (Bernardo Guimarães, José de Alencar, Machado de Assis...).    Era uma leitura maçante. De difícil interpretação para um pré-adolescente/adolescente.
    Ler passou a ser uma obrigação... Não lia mais por prazer... Somente para conseguir nota suficiente para ser aprovada. Quanto desperdício de tempo... Desperdício de vida.  
    Mas, felizmente, comecei a ter aulas com a professora Izabel (como gostaria de lembrar seu sobrenome!!!). Izabel era exigente. Tinha, entretanto, uma grande virtude. Não exigia que seus alunos lessem os clássicos. Recomendava livros mais condizentes com a faixa etária das turmas para as quais lecionava.
    Lembro que fizemos um trabalho sobre Erico Verissimo. Cada estudante precisava ler uma obra e, depois, contar a história para a turma. Coube a mim a leitura de "Música ao Longe." Que livro maravilhoso... Leve... Apaixonante. "Devorei" suas páginas em apenas três noites. Voltei a sentir o prazer na leitura.
    "Música ao Longe", publicado em 1936, é a continuação de "Clarissa". Retrata, sob o ponto de vista da jovem professorinha Clarissa, a decadência econômica e moral da tradicional Família Albuquerque. Clarissa, apaixonada por seu primo Vasco, dá os primeiros passos em direção a vida adulta.
    "Música ao Longe" já tinha, quando a li pela primeira vez, quase cinquenta anos. Não era uma obra "moderna". Era para mim, contudo, muito interessante. Porque aborda questões atuais... Amor... Esperança... Incertezas... Respeito... Amizade. E, o mais importante, com uma linguagem clara que, mesmo para uma adolescente de doze/treze anos, é de fácil compreensão.
    Hoje gosto das obras de Bernardo Guimarães, José de Alencar, Machado de Assis... Com doze/treze anos não gostava. Também pudera... Muitas palavras, sem um dicionário ao lado, pareciam não se encaixar no contexto - até porque não as utilizamos mais.
    Fica aqui uma dica para os professores de língua portuguesa/literatura... Se quiserem formar mais leitores façam como a professora Izabel. Não obriguem seus alunos a lerem os clássicos. Deixem para mais tarde. Claro que os clássicos precisam ser abordados em sala de aula. Sem a obrigação, no entanto, de leituras forçadas.
    Se os jovens estudantes adquirirem o hábito de ler quando tiverem maturidade irão procurar os clássicos - como eu fiz. E poderão se apaixonar por Lucíola, Senhora, Quincas Borba, Moreninha, Escrava Isaura... Deixem então este tipo de leitura para o final do ensino médio. Quebrem as regras e mais leitores surgirão.
   "(...) A primavera está aí e eu nem sei como foi. Parece que ela estava escondida, esperando um momento para dar um pulo e assustar a gente. Fiquei muito contente, tudo é melhor agora. Estou escrevendo e sentindo um cheiro de flor de laranjeira. É o vento que vem do pátio. (...)
  Vasco foi falar comigo e conversamos muito tempo. Gato do Mato é muito engraçado, contou muitas histórias e eu cada vez ficava mais admirada.
    Tenho pensado tanta coisa dele que até nem escrevi nada... Às vezes fico imaginando, imaginando... Como é que uma pessoa pode viver perto da gente muitos, muitos anos e nunca chegarmos a ver bem como ela é? Com o Vasco foi assim. Se aquele dia eu não subisse às escondidas no quarto dele, não ficava sabendo como ele é. Pensei que Gato do Mato fosse apenas um coisa-ruim, como diz tio Jovino. E agora quando ele me fala em assuntos sérios, parece mentira, parece um sonho, parece que isso não está acontecendo. (...)" (Verissimo, Erico. Música ao Longe. São Paulo: Editora Globo, 1997. 39ª ed. Pág. 200/201)

(Autora: Aline Brandt - Todos os direitos reservados/Lei dos Direitos Autorais N° 9610/98)

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