A história de cada um

    Fui uma criança de muita sorte... Não desfrutei, na infância, de grandes riquezas materiais. Mas, além do contato precoce com o mundo dos livros e das histórias, tive tempo de sobra para brincar, pensar e observar... 
    Lembro-me que quando tinha uns cinco/seis anos costumava passar horas no quintal da casa em que morava... A casa ficava em uma esquina - lugar de encontro de ruas e de pessoas.
    Naquela época crianças de cinco/seis anos não tinham grandes responsabilidades... Não era preciso frequentar dezenas de cursos e outras atividades de socialização. Ocupava-se o tempo brincando e fazendo amigos. 
    As brincadeiras, quando na companhia de outras crianças, envolviam bonecas, bolas, corridas... Subir em árvores também era frequente. Diversas vezes "ralei" os joelhos após uma queda ("ossos do ofício" de uma criança bastante ativa). As broncas em razão dos machucados sempre valeram a pena...
    Quando eu estava sozinha, entretanto, criava histórias, falava com meus bonecos e bichinhos de pelúcia/plástico e observava pessoas que passavam... Gostava de observar os transeuntes até que desaparecessem no horizonte... Imaginava quem seriam e para onde estariam indo... Chegava a indagar: Será que voltarei a vê-los?
    Acredito que, mesmo criança, já sabia que cada pessoa tem uma história... E que muitas destas histórias são sobremaneira interessantes. Dignas de contos e livros. Mas as histórias, assim como as pessoas, vão sendo esquecidas... Perdem-se com o tempo. Por este motivo quem consegue um lugarzinho, mesmo que pequenino, no coração e na memória daqueles que ama já pode se considerar vitorioso.
    Para quem, assim como eu, se interessa pelas pequenas histórias do cotidiano sugiro a leitura de "A Rua dos Secretos Amores" (de Jane Tutikian). A autora aborda, com delicadeza, histórias de diversos moradores de uma rua fictícia. O livro é de fácil leitura. A narrativa é sobremaneira agradável. Dores, amores, perdas, fofocas... Cada pequeno tema do cotidiano tem espaço no livro.
    DA CASA 81 - INVENTÁRIO
    "(...) Passaria, sim, os dias assim, cuidando os carros que passam e as pessoas que chegam. Me assustando com elas. Não fosse isso de insistirem em me dizer que tu não vais voltar e que preciso superar e. Elas não sabem o que é a solidão de ti. (...)
    Não vou te contar das noites que não dormi pensando em ti. Não vou te falar das brigas sérias com o Deus. Não vou te dizer da falta que me fizeste. Não vou te dizer que eu quis morrer e que fui obrigada a reaprender a vida e que amei outras pessoas para tentar continuar vivendo e construí sonhos com outras pessoas para tentar viver em ti. (...).
    Os anos não são nada generosos: meus cabelos estão cada vez mais brancos, o meu rosto cada vez mais enrugado, tenho um tremor nas mãos que não me deixa e os meus movimentos estão cada vez mais vagarosos: eu tenho medo de que, quando voltares, já não me reconheças. Só o que não perco é a ternura da espera, é tudo tão delicado que, eu sei, é mesmo como se pudesses voltar" (Tutikian, Jane. A Rua do Secretos Amores. Porto /alegre, WS Editor, 2002. Pág. 67, 70 e 71)

(Autora: Aline Brandt - Todos os direitos reservados/Lei dos Direitos Autorais N° 9610/98)
    
    

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