O menino dos 40 picolés

    O menino nasceu em uma família humilde. Eram pai, mãe e seis filhos. O salário do pai somente cobria as necessidades básicas. A mãe ajudava no que podia - lavava roupa e preparava quitutes para pessoas em melhores condições financeiras. A vida era difícil. Mas o menino, mesmo com pouca idade, acreditava que seu futuro seria diferente...
    O menino frequentava a escola. Era um aluno exemplar. Gostava de aprender. Mas a escola não oferecia respostas para as questões que lhe tiravam o sono... Porque o menino, desde bem novinho, questionava os adultos acerca do surgimento da vida e do universo. As respostas que lhe ofereciam não eram suficientes. Sabia o menino que nada era tão simples como gostariam que acreditasse. 
     O menino queria trabalhar. Precisava de um emprego para ajudar no sustento da família. Afinal: dos meninos era o mais velho... Queria ser um bom exemplo para os irmãos. Como era franzino não conseguia trabalho... Mas jamais se deixou abater. Persistência sempre foi uma de suas qualidades. E, é claro, acreditava que podia fazer um futuro diferente...
    O menino saia de casa, todos os dias, em busca de uma oportunidade. Queria vender picolé. Mas esta era uma profissão concorrida no início da década de 1960. Quem daria chance para um menino tão novo e franzino se existiam outros - mais velhos e maiores - interessados no trabalho?
    Mas em um dia de frio - e após incontáveis tentativas - o menino conseguiu a tão almejada oportunidade. O desafio, contudo, era imenso... Precisava vender quarenta picolés (Chica Bom) - tendo como obstáculo a temperatura desfavorável.
    E lá se foi o menino, com um sorriso no rosto, vender picolés pelas ruas da cidade... Bateu em centenas de portas... Ouviu dezenas de "não". Mas era persistente. Os obstáculos sempre lhe serviram de estímulo... O "não", na verdade, se transformava em desafio para que buscasse, mais avidamente, a efetivação da competência que julgava ter. 
    Já era noite quando o menino voltou para sorveteria... Encontrou as portas fechadas. O horário de expediente havia terminado. Foi, então, até a residência de seu empregador. E, antes de ter a oportunidade de contar como havia sido o dia, recebeu um enorme sermão. "Onde você estava? Como tem a audácia de deixar estragar tantos picolés? Quando percebeu que não os venderia deveria ter retornado. Quem pagará pelo prejuízo?"
    Mas o menino, contrariando todas as expectativas, havia vendido os quarenta picolés da Kibon (Chica Bom). "Demorei a voltar porque foi difícil encontrar quem comprasse o último picolé. Já havia escurecido. Mas eu não desisti e consegui." Para o menino uma tarefa recebida obrigatoriamente teria que ser cumprida. Não entendia uma realidade diferente. E, é claro, já estava batalhando por um futuro com mais oportunidades...
    Durante alguns anos o menino vendeu picolés... Também engraxou sapatos... Como não sobrava dinheiro para comprar uma caixa de engraxate confeccionou-a, com perfeição, utilizando madeiras que encontrava pelas ruas. Foi o melhor vendedor de picolés e o melhor engraxate de sua cidade. Porque sempre oferecia o melhor de si. A vida nessa época já estava um pouco mais fácil. Mas as privações ainda existiam. O menino, contudo, sabia que através de seus esforços teria um grande futuro...
    O menino, já crescido, festejou quando lhe contrataram para entregar jornais. Não importava se era inverno ou verão... Se chovia torrencialmente ou se o tempo estava agradável... O menino crescido acordava, todos os dias, às 3h30min, para cumprir seu dever. Precisava dobrar e entregar os jornais antes do dia amanhecer... E o fazia com muita responsabilidade. 
    E pelas ruas da cidade seguia o menino crescido entregando jornais. Jamais reclamou da árdua missão... Porque, para o menino, uma tarefa recebida sempre devia ser cumprida. E, é claro, já estava vislumbrando as grandes alegrias do futuro...
    O menino crescido ocupou os mais altos cargos na empresa onde começou dobrando e entregando jornais... Quando acreditava que já havia contribuído com tudo que podia resolveu abrir seu próprio negócio. Os primeiros anos foram difíceis... Mas o menino crescido sabia que estava no caminho certo... Que no futuro colheria doces frutos das sementes que plantava. E esta força de vontade lhe rendeu grandes vitórias. Bem mais do que havia imaginado.
    O menino crescido, hoje já com alguns cabelos brancos, tem orgulho da trajetória percorrida. Mas continua sendo o menino que foi tantas décadas atrás. Com os mesmos questionamentos de menino... Com os mesmos sonhos de menino... Com as mesmas responsabilidades de menino... Com o mesmo olhar de menino. E, sobretudo, com o mesmo coração de menino... Um coração generoso e cheio de amor. Por isso lhe digo menino crescido... Se um dia lhe falarem que algo que fez não foi nota dez não se preocupe. O mundo, por vezes, é cruel com as pessoas boas. Mas lembre-se... A vida lhe fez nota mil. (Autora: Aline Brandt - Todos os direitos reservados/Lei dos Direitos Autorais N° 9610/98)

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