O Zé de Dona Chica

    Eu a avistei de longe... Cabelos tão brancos como os campos de cima da serra depois de uma forte geada. Pele enrugada - as marcas de décadas vividas... Usava uma roupa colorida - vestes de quem, apesar das dificuldades, tem esperança... Estava, sozinha, sentada em um banco da praça central... Olhar distante - como a contemplar o passado.
    Eu não a conhecia... Jamais a tinha visto. Mas o frio do dia, iluminado pelos primeiros raios de sol, me fez sentir uma ternura por aquela solitária senhora. Eu a cumprimentei. Ela me olhou com os olhos cheios de expectativa... Pedia, mesmo em silêncio, um pouco de atenção.
    Meus dias são corridos... Resolvi, entretanto, dedicar um pouquinho do meu tempo para aquela solitária senhora. Apresentei-me... Perguntei como se chamava. Ela, de pronto, me respondeu: - "Francisca. Mas me chamam Dona Chica".
    Perguntei-lhe o que fazia, tão cedo, sozinha na praça. - "Admirando as pessoas que passam. Pensando na vida." Eu quis saber se tinha marido... Filhos... Outros parentes para lhe fazer companhia. - "Meu Zé atendeu ao chamado de Deus já faz tempo. Tenho seis filhos. Eles são bastante ocupados. Têm seus próprios filhos. Trabalham demais. A vida, nos dias de hoje, é muito corrida."
    E continuou... - "Casei cedo filha. Sou de origem humilde. Mas de gente que não recusa serviço. Morei, por anos, no interior. Depois que os filhos cresceram viemos para a cidade. A terra era pouca. Já não garantia o sustento da nossa família. Meu Zé e eu queríamos que as crianças estudassem. A vida foi difícil filha. Cheia de sacrifícios. Meu Zé ganhava pouco. Tive que fazer pães e tortas para vender. Também fazia faxina em casa de gente de mais posses. Mas sempre fui feliz."
    Quando ia lhe perguntar como uma pessoa que passou por tantas dificuldades se dizia feliz Dona Chica me falou... - "Sou feliz porque já vivi mais do que a maioria das pessoas ousa sonhar... Porque tenho saúde... Porque meus filhos e netos são saudáveis e perfeitos. Nunca passei fome nem senti frio. Guerra só conheço através dos noticiários... E tive um amor..."
    - "Tive o maior amor do mundo... Meu Zé foi um grande homem. Gentil... Trabalhador...  Pai dedicado e amoroso. Era meu companheiro e amigo. Era tão bom que Deus o chamou cedo para o seu lado. Hoje vivo de recordações. Mas sinto a sua presença em todas as coisas. Por isso vivo a contemplar... A contemplar e esperar... Esperar o dia em que estaremos juntos mais uma vez." (Essa história não é baseada em fatos reais... Mas poderia ser... Autora: Aline Brandt - Todos os direitos reservados/Lei dos Direitos Autorais N° 9610/98)

CANÇÃO DO DIA DE SEMPRE

Tão bom viver dia a dia...
A vida assim, jamais cansa...

Viver tão só de momentos
Como estas nuvens no céu...

E só ganhar, toda a vida,
Inexperiência... esperança...

E a rosa louca dos ventos
Presa à copa do chapéu.

Nunca dês um nome a um rio:
Sempre é outro rio a passar.

Nada jamais continua,
Tudo vai recomeçar!

E sem nenhuma lembrança
Das outras vezes perdidas,
Atiro a rosa do sonho
Nas tuas mãos distraídas...

    (Quintana, Mário. Prosa & Verso. Porto Alegre: Editora Globo, 1980. Pág. 14)

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